Wednesday, July 13, 2011

O Nascimento

Só se “nasce” fisicamente, corporeamente, tomando a forma, demarcando limites. Será que um ser corpóreo consegue imaginar o incorpóreo, sendo a corporeidade factor essencial à sua realidade e presença? Não. Estamos inevitavelmente presos à nossa realidade, tudo o que é imaginado, é imaginado segundo conceitos a ela pertencentes e qualquer extrapolação acontece dentro dos limites máximos da conjugação das noções inerentes a ela.

Com o “nascimento” nasce consequentemente a noção de tempo. No nosso dia-a-dia podemos observar que tudo se rege por ciclos, a natureza, a própria Terra e o Universo descrevem ciclos repetidos, um movimento circular. Também qualquer acção e reacção se pode aplicar a milhares de situações e contextos. Reparamos então que tudo se define pelas mesmas regras, tudo se guia e está ligado a uma forma fundamental: o círculo.

Imaginando a vida há milhares de anos atrás e comparando-a com a actual podemos supôr que, jogando com a forma do círculo, o que existia anteriormente (círculo este que contém a totalidade da vida confundindo-se com ela mesma) era muito menor que o actual. O círculo foi aumentando à medida que os conceitos da nossa realidade se multiplicaram nas suas interacções, e assim irá continuar.

O infinito encontra-se então apenas no crescimento desse círculo não havendo dessa forma o infinito como factor que ultrapasse a nossa condição. Apenas o finito, irredutivelmente. Tal como a eternidade é a imobilidade: como um rio que se apresenta sempre igual na sua diferença, um círculo parece parado mas está em constante movimento.

E essa delimitação significará uma total ausência de liberdade? Pelo contrário, atingimos o máximo de plenitude dentro do círculo, a acepção máxima da vida. Estamos libertos, tudo se intercomunica por vários caminhos, os caminhos são infinitos dentro do nosso círculo. Acredito no caminho e não no destino.

E o divino? Dada a impossibilidade de fugirmos à nossa condição, e sendo Deus admitido normalmente como algo superior à nossa percepção, a sua ideia será então sinónimo à noção de vazio. A existência é por si, total. O nada é a única coisa que não existe. Deus é um conceito imaginado a partir do nosso círculo, perdendo à priori qualquer possibilidade de existência superior, a ideia esvazia-se a si própria.

A discussão de Deus leva-nos directamente ao nascimento e criação do mundo. O nascimento implica sempre de certa forma uma paternidade e uma maternidade. Mas o que criou a primeira entidade paternal/maternal? Nada nem ninguém. A matéria sempre existiu. Extrapolando a partir da nossa realidade em total continuidade e transição repetida, essa é a única hipótese verdadeira: sempre existimos. Mas a percepção da nossa vida é um círculo deitado, que não passa de uma linha, daí conseguirmos observar erroneamente um princípio e um fim. Nada acaba, nada começa, tudo continua.

Somos eternos e infinitos. Nunca nascemos nem morremos: Somos.

Alexandre Gil, Fevereiro de 2006.

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