Saturday, January 30, 2010

O AMANHECER

O sol acorda, ensonado e já cansado,
Ao som dos bichos que ditam o pulsar da cidade.
Espalha os seus raios para dar vida
E abre os olhos para ver o mundo lá do alto.

A criança, de pele negra e cabelo encarapinhado
Acorda pela voz incómoda da mãe
Abraça a avó para beber ensinamento
E toma chá para aquecer a alma em formação.

Os silêncios das suas manhãs são preenchidos
Pelas canções cantadas pelas vendedoras e empregadas que circulam
Pelas ruas animadas de calor e cheiros de frutas, de vida, de animais..
A criança coça a cabeça, sentindo que tem que a organizar para beber sabedoria.

Quando acaba o matabicho muda de roupa.
Veste o uniforme gasto de se fingir novo.
Põe a mochila carregada às costas
E despede-se com beijos da família e com um assobio cintilante.

A caminho da escola, pela estrada de todos os dias
A criança vê tudo como se fosse a primeira vez.
As caras das pessoas, os sons da cidade. Os carros que passam ruidosos..
Toda a cidade se renova a cada dia da sua vida.

O sol abraça todo o corpo da criança. Protege-a e engrandece-a.
A escola não fica longe. Tudo é perto para quem sonha.
As outras crianças, suas colegas, amigas, irmãos e irmãs
Já lá estão aos saltos, em correrias e gritarias libertadoras.

A criança junta-se ao festival da Infância.
Banhadas pelo sol africano, as crianças aprendem a ser homens.
As aulas começam numa sala cansada de adiar a reforma.
A professora entra. De bata que já foi branca e óculos no rosto.

Os seus olhos já não vêem. Já não ouve nem fala. Sente apenas.
É uma velha feiticeira, pois todos os dias faz milagres
Nas mentes das crianças africanas.
Passa-lhes toda A Vida através de contos e estórias.

Naquela sala todos estão presentes.
Mortos e vivos reencontram-se num tempo perdido da História.
De uma janela o sol espreita. Da outra uma mangueira escuta a lição.
A criança bebe as palavras da professora...

À noitinha, depois de brincar, de transpirar,
De correr, saltar e libertar das suas prisões
Os xipocos que se entretêm a ver brincar as crianças,
A criança toma um banho de água fria num tanque feito nave de sonhos.

Na cama, antes de dormir, sonha antes de sono chegar.
Sabe que vai ser um grande homem. Mais que homem vai ser Homem.
Vai casar, ser pai. Será como os velhos são.
Conduzirá a sua cidade e o seu país à vitória.

A professora disse que viver em liberdade não implica ser Livre.
Quer viver essa Liberdade. Saber o que o mundo encerra
Por detrás do coração da vida.
Os seus antepassados acolhem-no para mais uma noite de crescimento
Na eternidade da juventude....

Este poema foi escrito num enquadramento do tema “Ser africano” sugerido por Alexandre Gil. Como forma de finalizar a minha reflexão sobre a africanidade, gostaria de deixar uma frase que pensei que fosse ser o motor deste meu trabalho.

Do ponto de vista populacional, a Ásia é o continente mais determinante. A América é crucial do ponto de vista financeiro. A intelectualidade mantém-se intimamente ligada à Europa, e África alimenta o planeta do ponto de vista emocional.
O RACISMO

Li, em “A metafísica do Amor”, de Schopenhauer uma interessante teoria. O autor defendia que todo o homem branco é um homem falho de cor. E explicava, em seguida, o seu ponto de vista: argumentava que o ser humano é originário de África (creio haver, hoje em dia provas científicas de que esta assunção é verdadeira) e, por conseguinte, a raça negra é a “raça-mãe” da humanidade. Com as deslocações nómadas, o Homem foi descobrindo novas terras; novos mundos, com diferentes aspectos geográficos, quer em termos de fauna ou flora, assim como diferentes condições climatéricas. Em geral, as deslocações eram feitas no sentido Norte onde o clima tende a ser mais frio, com dias mais curtos.
O corpo humano tem extraordinárias capacidades de adaptação a diferentes condições externas. Assim, começaram a surgir “novos Homens”, com cabelo diferente, pele e olhos mais claros e com outras características diferentes e específicas a cada nova raça. Desde o Homem negro da África sub-sahariana, foram surgindo os Homens do norte de África, com tez mais clara, cabelo e traços mais finos. Em seguida, veio o Homem do Médio-Oriente, com ligeiras semelhanças físicas aos do norte de África. Surgem depois os Homens do Extremo-Oriente, com os traços que designamos usualmente como asiáticos, os Homens europeus, os Índios. Os ciganos são, segundo Schopenhauer, uma raça que surgiu mais recentemente, das viagens dos homens do Médio-Oriente para a Europa, apresentando-se, de certa forma, com características intermédias às duas raças anteriores. Interessante, esta análise à evolução do ser humano, enquanto raça. Mas, mais importante ainda, é que deixa claro que há apenas uma raça no ser humano: a Humanidade. Tudo o mais são ligeiras transformações; são reacções do nosso organismo que ao longo dos tempos forma dando origem a diferenças, primeiro superficiais e ligeiras e mais tarde cada vez mais profundas e visíveis a que chamamos, como forma de diferenciação, de raças. É como a evolução que se verifica num a família. Os filhos vão nascendo, sempre ligados por laços biológicos e físicos aos seus ascendentes, mas com diferenças resultantes da mistura de que foram resultado. São sempre fruto de uma combinação entre dois canais genéticos distintos. São diferentes, mas sempre iguais a ambos. Nem melhores, nem superiores; apenas diferentes.
Descendemos todos do mesmo ramo; temos todos a mesma origem. De forma mais ou menos directa, viemos todos do mesmo. Há um laço comum que nos une e que faz de nós uma família biológica.
Utilizar estas diferenças como elemento justificador de qualquer forma de tratamento entre as diferenças rácicas é de uma profunda ignorância. E, mesmo assim, quem pode dizer, de forma absoluta e convicta que não é racista? É incrível a capacidade que o Homem tem para cometer erros, mesmo quando tem consciência da sua presença e existência. Somos conduzidos pelo nosso lado animal e o mais que podemos fazer é ter a consciência disso. Alterá-lo é de uma dificuldade extrema. No máximo podemos conhecer-nos e compreendermo-nos. Mudar quem somos é, na prática, tarefa quase impossível. Não teremos uma identificação racial incrustada em nós? Quer seja através da educação, da socialização a que estamos sujeitos ou através de outros factores externos, não estaremos sempre ligados aos que são mais parecidos connosco? E não será isto tão natural como beber água, respirar ou procurar procriar?
Como evitar, então, que este aspecto se torne nocivo?
Haverá algum meio de evitar que os nossos olhos vejam cores e diferenças entre nós e fazê-los ver apenas o interior, onde somos iguais?
Não creio. Mas também, duvido que tal fosse positivo. Negar as nossas diferenças seria apenas uma forma de as fomentar. De as amplificar e fomentar os seus malefícios.
Só através de uma educação para a pluralidade podemos ultrapassar o medo que todos temos a tudo quanto é diferente. Só a cultura poderá libertar as nossas mentes do mundo de preconceitos em que vivem subjugadas.
“Ser culto é a única forma de ser livre.”
Se soubermos aceitar o diferente como próximo e não distante enriqueceremos grandiosamente, enquanto espécie. Aceitamos com facilidade as diferenças de sexo, de alturas, de peso, de olhos..por que será tão difícil impedir que as diferenças de cor se constituam como problema?
Quem sabe se um dia não poderemos aprender a conviver de uma forma mais rica e plena. Nesse momento (não muito distante, espero) poderemos, enfim compreender que a variedade é o sal da vida. Que a pluralidade é uma forma de riqueza e grandeza. Que ser diferente é bom. Original.
Mia Couto colocou num dos diálogos de um dos seus livros, “Terra Sonâmbula”, se não me engano, algo como isto:
“- Eu não gosto de preto?
- De monhés, então?
- Também não.
- De brancos?
- Não!
- Então?!
- Eu gosto de pessoas que não têm raça.”
Não sei precisar com exactidão se era desta forma que decorria a animada conversa entre dois amigos, mas a ideia era esta. Que as pessoas de quem se deve gostar mais são as pessoas sem raça. Dito de outra forma, as pessoas que têm todas as raças. Não se mutilam nesta ou naquela raça. Incorporam-se na mais importante de todas: a Humanidade.
O intervalo do cinema

Estamos habituados a pensar, escrever, falar e centrar as nossas atenções sobre o princípio e o fim das várias situações das nossas vidas. Sempre debruçámos as nossas opiniões sobre esses dois extremos. O princípio de um livro; o final de um filme; o princípio de uma música; o fim de uma peça de teatro. Estes são alguns exemplos de princípios e finais muito comentados. Mas há outros: o princípio de uma vida; o final de uma história de amor..
A lista é interminável. A verdade é que, na verdade, o fim e o princípio sempre foram os principais protagonistas. O espaço que fica entre um e outro sempre foi um espaço perdido; esquecido e pouco valorizado. Este texto pretende ser um elogio ao intervalo; uma ode ao que medeia. Falarei essencialmente sobre um tipo de intervalo específico: o intervalo do cinema.

Em tudo se torna mais fácil identificar o princípio e o fim do que propriamente o intervalo ou o meio dessa mesma coisa. Só os extremos são definidos, concretos, imutáveis e objectivos. O espaço interior é amplo, subjectivo, quase me apetece dizer infinito. Mas, na verdade, tudo o que é realmente importante, o que é feito por nós, ou que nos acontece, acontece, justamente no que está entre o princípio e o fim. É aí que se desenrola a vida. É aí que se constróem as estórias e é aí que estamos, todos nós, a construir a História.
A nossa vida é o que fazemos entre o nascimento e a morte. Isto é, entre o princípio e o fim.

Pensava para comigo mesmo, outro dia, que tudo o que é bom na vida tem intervalos. Por mais pequenos (ora, que raios! Por que carga de água se pode dizer «mais pequeno» e não se pode dizer «mais grande»? Num caso, a existência da palavra «menor» não invalida o emprego correcto da expressão «mais pequeno», mas a existência de «maior» já invalida que se diga «mais grande». Haverá alguma explicação para este curioso fenómeno da língua portuguesa? A dúvida irá permanecer..) que sejam, às vezes quase imperceptíveis, todos os bons momentos e todas as boas sensações que vivemos têm pequenos intervalos.

Cada vez me convenço mais de que a primeira vez é realmente única. Em tudo. A primeira vez que fazemos algo ou que experimentamos algo irá certamente condicionar as restantes vezes que se seguirão. Se for positiva, quereremos que as próximas vezes se assemelhem àquela bela primeira vez. Se for negativa tentaremos que não se repita. Quer num caso quer no outro, estaremos sempre a pensar na primeira vez. A tomá-la como referência. Num caso positiva, no outro negativa. Mas sempre como referência. E é isso que lhe confere uma importância tão grande.

Lembro que a primeira vez que fui ao cinema o filme tinha intervalo. Não me lembro em que cinema foi, nem com quem fui, nem que filme fui ver, mas sei que tinha intervalo. Foi nesse dia que passei a conhecer um novo mundo: o do cinema. Uma viagem diferente, que nos proporciona uma abstracção extraordinária e incomparável. Abençoados sejam os irmãos Lumière! Já compararam a sensação de assistir ao mesmo filme no cinema e na televisão? Tanta diferença! E porquê? Muito simplesmente porque o cinema envolve muito mais que o mero visionamento da película. O próprio ambiente do cinema é mágico. Mesmo que se tenha uma grande sistema de som em casa e apaguemos as luzes e aumentemos consideravelmente o volume, de modo a recriar o cinema em nossa casa, não se consegue trazer o cinema para a nossa casa.
Mas, voltando ao que dizia anteriormente, quando saí do cinema, nesse dia, no meu imaginário sobre o cinema, havia os seguintes aspectos: o volume elevado, a escuridão, as cadeiras individuais, o ecrã enorme e o intervalo. Se alguém me perguntasse como era o cinema, decerto haveria de referir o intervalo como uma das suas componentes. E desde esse dia que assumi que o intervalo faz parte do filme, quando visto no cinema.

Já assisti, depois disso, a inúmeros filmes no cinema. Uns com intervalo, outros sem. Mas sinto sempre uma ligeira estranheza quando não há intervalo. Como se fosse sobrecarregado com demasiada informação sem tempo para respirar, para digerir e saborear a informação. O intervalo do cinema é terapêutico, ao contrário do intervalo da televisão, que é aborrecido.
No cinema, essa pausa é bem vinda. É o momento de parar. Parar para pensar, se for necessário, ou para parar de pensar, se for necessário. Serve para irmos ao wc..para comermos algo, para bebermos algo..mas sempre com o filme como pano de fundo. Nunca nos desconectamos por completo do filme. Mesmo quando saímos da sala, conversando, ou não, com alguém, o filme está sempre presente. Adormecido; pausado, mas nunca esquecido.
Quando optamos por permanecer na sala, a sensação é ainda mais forte. Vivi os mais belos intervalos de cinema da minha vida no Cinema Quarteto, em Lisboa. A sala antiga..a música cinematográfica..tudo, todo o ambiente faz com que o intervalo seja um complemento do filme. Por vezes, quando o filme é mau, chega a ser mesmo o melhor momento do filme.
E é incrível como o intervalo do cinema parece ter sempre a duração certa. Não fico com a sensação de ter sido muito curto ou muito comprido. Parece sempre bem medido.
Se estamos a ver um bom filme, o intervalo dá-nos os momentos para nos deliciarmos com o prato que nos está a ser servido. Lembramos os melhores momentos do filme e digerimo-los de uma forma saudável; com tempo e vontade. Sem pressas desnecessárias. E quando soa a badalada que anuncia o recomeço do filme, voltamos a concentrar-nos de forma plena no mesmo. Com esperança de que a segunda parte seja, pelo menos, tão boa quanto a primeira.
Se o filme for mau, o intervalo surge como salvação. Como fonte de esperança. Procuramos pensar em algo que nos distraia do mau filme a que estamos a assistir e lançamos preces silenciosas para que a segunda parte seja, então, positiva.
Há, ainda, a possibilidade de estarmos acompanhados. É curioso como as pessoas sentem uma necessidade de ir ao cinema acompanhadas. Há quase um pavor a ir até à sala de cinema sozinhos. Não sei se é por receio do que poderão pensar de si, ou se é por temor que as vejam como criaturas solitárias. A verdade é que assistir a um filme, no cinema não permite grandes conversas. São, diria até, totalmente desaconselháveis. Incomodam os vizinhos e retiram-nos a atenção necessária para uma total compreensão do próprio filme. O intervalo surge, como o momento em que podemos partilhar com o nosso parceiro as nossas opiniões (convergentes ou divergentes) sobre a estória a que se assiste.
Num filme sem intervalos, geralmente em cinemas modernos, e cuja principal intenção é realizar o maior número de sessões diárias, de modo a rentabilizar de forma mais imediata o investimento, os filmes são-nos dados em forma de bloco. Muito conteúdo se perde, e muitas vezes temos vontade de voltar a ver o filme. Não necessariamente pelo facto de o termos adorado, mas por sentirmos que há informação que chegou até nós de forma incompleta. A nossa atenção tem que estar sempre alerta. Não podemos perder nenhum detalhe do filme, pois não há tempo para pensar, para analisar. Temos que receber informação de forma incessante durante, geralmente, mais de noventa minutos.

Um bom intervalo é sempre sinónimo de um bom filme.
O NASCIMENTO

Nascimento. Origem. Princípio.
São estes alguns dos sinónimos que encontrei presentes no dicionário, quando pesquisei, em busca de um começo para este pequeno texto. Julguei que fosse encontrar neles alguma iluminação misteriosa, metafísica e sobrenatural que me inspirasse numa forma de dar o mote para este desafio tão..hum..digamos, no mínimo, interessante. Sucedeu, porém, algo inesperado, aquando da minha pesquisa. Ao ler de forma atenta e cuidadosa a definição de Nascimento, ocorreu-me que, na verdade, quando penso na ideia de Nascimento, outra palavra tão (aparentemente) afastada me surge: Esperança. Pergunto, por isso, haverá melhor sinónimo de Esperança que Nascimento?
Nascer é, nada mais, nada menos, que transpor uma porta simbólica da, e para a, vida. É ser-se novo. É ser-se puro, imaculado. De certa forma, é ser-se livre, também, pois nascemos sempre libertos das correias mentais a que mais tarde nos acabaremos, invariavelmente, por prender, de forma fatal e inconsciente, para que, em certa altura da vida nos tentemos delas libertar, muitas vezes sem sucesso. Só no momento que simboliza a existência somos, e estamos, total e completamente livres. Como uma folha em branco, onde se poderão escrever e criar belas e magicas obras ou, pelo contrario, inúteis e banais palavras iguais a tantas outras.
Penso na ideia de Nascimento como o momento em que o presente se assume como um futuro. Um futuro virgem. Um futuro repleto de sonhos e desejos. Como o silencio que antecede uma bela musica, ou, melhor ainda, como o silencio que segue a uma bela musica.
Nascer é abrir as portas do tempo. Desafiar as leis da previsibilidade. Sermos agentes do Nascimento é sermos deuses. É essa a lição que todos eles nos tentaram dar: dizer-nos, através do seu exemplo, que a criação é a forma de sobrevivência e imortalidade. Seja através de uma criança, de uma obra, de um feito, todo aquele que dá origem a algo, isto é, todo aquele que faz nascer, se imortaliza através do ser ou objecto a que deu origem. Essa é a chave da imortalidade..do segredo para que o tempo cesse de passar como motor das nossas vidas físicas e mentais.
Será, pergunto então, o fazer nascer um gesto de egoísmo ou altruísmo? Procuraremos a nossa própria continuidade através de algo, ou alguém, ou fá-lo-emos de forma a enriquecer e engrandecer o mundo em que vivemos? Talvez um pouco de ambas as coisas, suspeito. Talvez sejamos apenas meros instrumentos do nosso biológico, que nos move irremediável e incontrolavelmente para a procriação, para a continuidade. Só assim pode existir vida.
Aliás, nascer é a própria vida, no fundo. Bem ou mal vivida, só existe vida se existiu antes Nascimento. Haverá, pois, momento mais importante na vida? Parece-me claro que não. Só esse instante em que as nossas mentes são invadidas por sonhos, por projectos, desejos, ambições, imagens projectadas de glorias futuras que apaguem os erros e fracassos de um passado que esperamos sempre inferior ao futuro, ao que aí vem, através do nascer que se nos apresenta. Sim, esse momento é o próprio Nascimento! Não é esta a sensação que nos invade em cada mudança de ano, ou em cada aniversario, ou em cada criança que nasce? Não são esses os momentos em que reflectimos, analisamos e projectamos as nossas vidas de forma diferente? Por que será? Creio que é nesses instantes que sentimos em nós um renascer simbólico. Um recomeço. Uma nova oportunidade para tudo. Corrigir e fazer. Criar e planificar. Renascer é, por definição, “o momento em que se volta a nascer”. Não tendo, por não ser possível, o carácter definitivo do Nascimento, por este ser único, é, porém, um recordar da importância desse momento tão marcante e definidor das nossas vidas. Como um pequeno sinal para que não nos esqueçamos de algo realmente importante. Um aviso à nossa memória emocional.
Disse Sir Isaac Newton: “Na ausência de outras provas, o meu polegar apenas convencer-me-ia da existência de Deus.” Pegando na ideia presente na frase de Sir Newton, dou por mim a pensar para comigo mesmo se haverá maior e mais belo milagre da natureza humana que a imagem de uma mulher grávida? Não será essa a própria imagem de Nascimento? De vida? De perfeição? De atemporalidade (onde passado-presente-futuro se conjugam num só)?
Vintinhas…

A pior coisa que algumas das vintinhas têm é o facto de terem de controlar uma arma muito mais desenvolvida e perigosa do que a sua maturidade geralmente consegue perceber: os seus corpos.
Na verdade isto é muito simples de explicar: a cabeça de uma mulher de vintinha está nos seus primeiros anos de maturidade e em processo de maturação ainda nos seus primeiros passos. Por outro lado, o corpo de uma vintinha está no potencial máximo das suas capacidades.
Ora, isto faz com que o sempre reconhecido precoce desenvolvimento feminino acabe por se tornar tantas vezes numa armadilha para as mesmas.
É um pouco como colocar um recém encartado ao volante de um bólide de Fórmula 1; por melhor que seja a formação a sua aplicação fica sempre colocada em causa pelo desajuste de forças em questão.
Todas as mulheres têm várias vidas e em cada vida têm várias idades. Nos homens tudo é mais lento e apoiado, principalmente a nível mental. Crescemos mais devagar, mas quando as nossas mentes se desenvolvem, os nossos corpos já estão maduros. Geralmente, o encontro entre corpo e mente acontece em nós a partir dos 35 anos. Antes o corpo está sempre atrás da mente e depois vão caminhando mais ou menos juntos.
Nas mulheres é diferente.... de crianças começam a desenvolver-se pelo corpo quando o peito começa a surgir e o período aparece. Depois a mente percebe que tem que dar um salto, e aí é que dão um pulo relativamente aos meninos.
O corpo desenvolve-se mais cedo e atinge a maturidade mais cedo. É pura matemática.! Ou biologia, neste caso. Por isso, as vintinhas são apanhadas numa encruzilhada em que acabam por ter de aprender a lidar com corpos que despertam atenções e desejos com os quais devem aprender a lidar.
As vintinhas acabam sendo engolidas pelo seu próprio encanto. Tantas vezes são mais apreciadas pelos seus corpos que pelas suas habilidades. Mais avaliadas pelo que parecem que pelo que são. Não é fácil! E como homem me solidarizo com elas. Mas é a verdade!
E depois elas acabam ficando fracturadas. As vintinhas acabam ficando perdidas. O feitiço tantas vezes se vira contra as feiticeiras. Ao usarem os seus encantos acabam ficando perdidas em si mesmas. O equilíbrio é difícil de alcançar.
Os efeitos perversos começam a manifestar-se. Quem tinha tudo para estar bem acaba ficando com pequenos sintomas de inquietudes que tomam diversas formas.
Surgem, pois, as variantes de vintinhas; existem as confusas; as misteriosas, escondendo algum terrível segredo; as sufocadas; as que não estão bem consigo mesmas... quem não conhece uma delas?!
Felizmente, a partir dos 25 alguma serenidade acalma os sentidos eléctricos das frescas vintinhas. Entre os 25 e os 35 mente e corpo encontram-se e estabilizam.
Mas a idade das vintinhas é deliciosamente fértil em experiências, dores, sonhos e desilusões. Um prolongamento das incertezas da adolescência vividas num corpo de mulher.
Os piores inimigos do homem

Que o homem sempre viveu em função da mulher todos nós sabemos. Fomos sempre movidos por um desejo de conquista inconsciente e incontrolável. Uma espécie de vontade de servidão muitas vezes mal interpretada. Muitos dos grandes feitos masculinos têm na sua origem uma inspiração (ou aspiração) feminina. Fizeram-se guerras, obras de arte, entre outras actividades demonstradoras da extraordinária capacidade que nós, enquanto espécie humana, temos para fazer as melhores e as piores coisas.
A única diferença entre o macho humano e os restantes machos da natureza animal é a sua inconsciência desta tendência inevitável de serventia masculina face ao feminino. O homem procurou, então, subjugar a mulher de uma forma aparente e exterior, mas creio que, no interior de cada lar, no seio de cada família, a mulher sempre desempenhou um papel nuclear e uma influencia sonegada.
Não tenho por objectivo discursar excessivamente a respeito deste tema. O que me move é outro aspecto. Julgo que já me fiz entender, quanto a esta matéria. Passemos, então, adiante.

O imaginário masculino, nos tempos áureos do romantismo sexual sempre foi preenchido por uma adivinhação; numa altura em que as mulheres se vestiam de formas requintadas, discretas e que tinham por característica o recamar (de forma excessiva, dizemos) o corpo. Ora, com todo e pudor e moral que conduziam as mentalidades da altura, havia uma grande vantagem nas reprimidas vestimentas: deixavam espaço para o mistério. Despertavam a nossa imaginação. Cada parte de corpo visível trazia consigo magia. Tempos em que ver um joelho feminino era valorizado e apreciado.
Nos tempos em que vivemos hoje em dia, em que, como disse Carlos Amaral Dias, “se perdeu o tempo humano”, tudo tem que estar pronto, imediato. Hoje quer-se tudo facilitado. Não temos mais tempo para desvendar, para nos darmos ao trabalho de descobrir.

Daí que Luís Noronha da Costa tenha dito que “hoje em dia não há erotismo, só há pornografia.” A grande diferença entre erotismo e pornografia é que erotismo é uma arte e a pornografia é uma actividade. O erotismo implica mistério, sedução, fantasia, fascínio. Requer tempo, trabalho. É uma arte maravilhosa de noa mostrar tudo; do revelar pouco a pouco. No erotismo, cada descoberta é especial. Cada peça do puzzle que se descobre, que se encaixa, é maravilhosa. O erotismo é a arte em que o pouco vale muito. É a arte do pormenor. A pornografia é a arte da plenitude; o perfeito reflexo dos tempos apressados em que vivemos. No ambiente pornográfico tudo se mostra, até mesmo o que não queremos, ou não precisamos de ver. Não há conversa, não há encantamento, nem música, nem romantismo; não há, em suma, o tão importante tempo. O tempo humano. É como as refeições fast food, enquanto o erotismo envolve e engloba todos os prazeres de uma refeição completa, com entradas, prato principal, um bom vinho a acompanhar, uma deliciosa sobremesa e um digestivo a acompanhar bons e impagáveis momentos de conversa. O erotismo faz referencia ao amor, enquanto a pornografia se fica pelo sexo. No erotismo, o tempo é eterno, na pornografia é efémero.

Esta perda do tempo humano, acrescida de uma das consequências do feminismo deram cabo do amor romântico para instalar em seu lugar o amor prático. O feminismo e o movimento de emancipação das mulheres deram origem à maior transformação ocorrida no século XX: a alteração do papel social feminino. A mulher reivindicou o papel a que há muito estava destinada. Pela primeira vez se assumiu como igual, como par do homem. Houve o reconhecimento tardio da igualdade entre sexos. Mas, e como sucede em todas as “revoluções”, também se cometem excessos. Ao sairmos de um período de pesada repressão, procuramos, ao libertarmo-nos, uma liberdade muitas vezes excessiva. Afastamo-nos do bom-senso; do equilíbrio, da ponderação, para embarcarmos nos malefícios do excesso.
No caso da emancipação feminina, que tanta coisa trouxe de bom e necessário para nos aproximarmos de uma modernidade que tarda em chegar, aponto como malefícios (do ponto de vista do encantamento amoroso) a criação do biquini e da mini-saia. Estas duas criações da indumentária feminina vieram retirar todo o encantamento do enamoramento. Instalaram a prontidão no lugar da imaginação. Quando queríamos sonhar com o que não víamos, passámos, de repente a ver tudo e o espaço do sonho foi diminuindo de forma drástica.
Desapareceu o romance tal qual o conhecíamos; a poesia foi atraiçoada.

Estas manifestações de liberdade extremaram-se a tal ponto que me interrogo se serão uma demonstração de real liberdade ou, ao invés, um claro reflexo de uma mentalidade ainda marcada por traumas do passado, como que acorrentada por algemas intelectuais.
A negação é sempre o princípio da afirmação, assim como “o cepticismo é o princípio da fé” (Oscar Wilde). Quero apenas levantar a questão de: ao agirmos de forma a responder a um ataque de que havíamos sido vítimas, não estaremos, ainda, presos, de certa forma, às consequências da ofensa inicial? Quando estamos a responder a algo estamos sempre presos à pergunta inicial. É um processo muito simples, na verdade.
Ora, quero apenas questionar se o surgimento destes autênticos símbolos da libertação feminina, que pretendem demonstrar que as mulheres que as usam são emancipadas, livres, não serão uma forma de querer demonstrar que ainda estão, de forma inconsciente, presas a um machismo, quiçá, impregnado? Não será sintoma de uma nova forma de escravidão mental? O feminismo extremo não será uma deturpação de tudo o que a essência da revolução feminina apregoava? E não será este feminismo igualmente nocivo e inimigo das mulheres como o machismo que antes combatiam?
Posso levantar ainda a seguinte pergunta: não será uma manifestação de carência? De procura de atenção? De fragilidade? De disfarçar uma profunda insegurança com uma aparente segurança? Não sei. Limito-me a perguntar. Talvez algum dia o saiba ou uma mulher me esclareça. Os meus conhecimentos e capacidades actuais não estão à altura do desafio de responder, e se o fizesse, cairia na precipitação, e poderia vir a cometer ingénuos erros de avaliação e análise. A última coisa que pretendo é julgar; tudo o que quero é descobrir para, enfim, saber.

Se somos, de facto, livres, haverá necessidade de exibir essa mesma liberdade? Há necessidade de dizer a todos quantos se cruzam connosco: “Olhe, sou livre!”? Ou não passará de tentarmos convencer-nos a nós próprios de algo de que, afinal, não estamos tão certos?
Não sou, quero esclarecer, fundamentalista em relação a estas minúsculas e transparentes (na sua muitas vezes excessiva coloração) pecas da moderna moda feminina. Como Oscar Wilde, também eu resisto a tudo, menos às tentações. Quando vejo uma mulher atraente nestas roupas, os meus olhos inevitavelmente a percorrem, com disfarçada (por ser socialmente censurável) cobiça.
Creio que é uma daquelas situações da vida que sabem bem, do ponto de vista da estética, mas não nos fazem bem, do ponto de vista emocional. Proporcionam-nos um prazer vazio. Um orgasmo instantâneo e fugaz. Enchem-nos os olhos e agitam-nos as hormonas. Mas não acarretam sentimentalidade alguma. E é aí, justa e precisamente nesse ponto que questiono a sua valiosidade e legitimidade estética.
Algum homem vê uma mulher na praia, num biquini sensual como uma musa? Com aquela atracção poética e “pura”? Ou vemo-las com desejo? Desejo sexual, para precisar.

Tudo isto faz com que, hoje, não haja mistérios ou tabus em relação ao corpo humano. Qualquer homem tem acesso ao corpo feminino. Basta, para tal, abrir uma revista, um jornal, ou assistir à televisão. Consumimos imagens de corpos como meros anúncios de automóveis.
A modernidade trouxe consigo a amoralidade sexual. Caminhamos para a despudorização do acto sexual.
Sou, confesso com vergonha e resignação, um produto destes tempos modernos. Aproveito as facilidades que me são oferecidas, naturalmente. Observo as pernas extrovertidas que caem de uma mini saia e desejo os belos corpos que se mostram sob um curto biquini. O que lamento é que cada vez haja menos para desejar. Antes, os homens dariam tudo para ver uns joelhos; imagine-se uns seios! Hoje..só os seios (ou melhor, os mamilos) e o sexo são ocultados.
O corpo feminino é cada vez mais conhecido e menos misterioso. Por conseguinte, cada vez é menos desejado. Já diz o ditado popular que “o fruto proibido é o mais apetecido.”
No livro de Júlio Dantas, A Arte de Amar, li, no capítulo “Saias Curtas”, uma extraordinária abordagem a este tema:
“O maior prazer que uma mulher pode dar-nos não é o de vê-la; nem mesmo é o de possuí-la: é o perturbador prazer de adivinhá-la.” Dantas elucida, também, que “Nada há, em amor, que tanto apeteça como aquilo que muito se esconde.” Diz ainda que a saia curta “Não sugere o pensamento amoroso; provoca o comentário grosseiro.”
Temo que suceda o que Arnaldo Jabor profetizou: “o desejo cessará, por excesso de sexualização.”
Não sou hipócrita. Não me tomem como um. Nem sei bem se desejo que as mulheres deixem de usar mini saias e biquinis. Sei que sentiria falta. O meu instinto de conforto e facilidade sentiria falta. Não sei se gostaria; duvido até que o fizesse. Mas sei que tomo a atitude correcta. Nem tudo o que é bom faz bem. Nem todo o prazer é saudável. Não quero caminhar para a indiferença perante o corpo feminino. Este texto é um grito angustiado para que as mulheres (pois só elas o podem fazer) salvem o romance; a pureza da natureza amorosa. Talvez me arrependa destas linhas que escrevo; espero bem que sim, mas uma vez alguém disse que “só no futuro o que fazemos parece coerente.”
NSH

Neuropatia Sensorial Hereditária.

Quantos de vós estão familiarizados com esta terminologia? Neuropatia Sensorial Hereditária é uma doença. Consiste numa alteração genética que nos inibe de sentir dor.
À primeira vista, surge a interrogação: porquê chamá-la de doença então, se a dor é algo do qual todos nos queremos libertar ou, pelo menos, evitar, tanto quanto possível?

Ora, por mais surpreendente que possa parecer, até mesmo a dor desempenha um importante papel, no belo e perfeito conjunto que é o corpo humano.
Disse Sir Isaac Newton que, “na ausência de outras provas, o meu polegar bastaria para me provar a existência de Deus.”
Na realidade, cada vez mais me convenço que o corpo humano é um complexo conjunto perfeitamente equilibrado, com uma funcionalidade perfeitamente adaptada e ajustada para as suas necessidades.

Mas, não nos afastemos da dor.

A ausência de dor...quais os malefícios que dela advêm? Por que motivo considerar a sua falta motivo para uma classificação patológica? Não é esta uma das características dos super-heróis que habitam os nossos imaginários colectivos? Seres fortes, indolores, com tudo o que o Homem tem de bom e sem fraquezas quase nenhumas? Não sentir dor não deveria ser uma vantagem?

Quem é vítima de N.S.H sofre de violentas privações, manifestadas desde a primeira infância. Ainda bebés, a ausência de dores pode resultar em queimaduras ou lesões causadas por uma falta de resposta do organismo a certas agressões externas. A dor funciona como uma campainha para nos avisar de perigos iminentes. Quando essa campainha não funciona, estamos debilitados, frágeis e expostos.
Na altura em que o bebé vítima de N.S.H começa a andar, surge a natural descoberta do mundo que o rodeia. Mas, ele não tem esse inibidor tão protector que é a dor. Pode sofrer quedas; dar pancadas em armários, portas, cair de escadas, ou outras situações de risco que não sente nada. Desse modo, enquanto que uma criança sujeita à dor, aprende com a queda que não deve repetir o comportamento que conduziu esse sofrimento, ainda que momentâneo, evolui e se desenvolve de uma forma sustentada, uma criança desprovida destes alertas não o faz. Pode repetir inúmeras vezes tais comportamentos sem se aperceber dos perigos em que incorre. Apesar de não sentir dor, pode e muitas vezes, provoca, mesmo lesões internas, muitas vezes irremediáveis.

Há, igualmente, casos em que os doentes se auto-mutilam. Através de mordeduras ou pancadas, o doente, geralmente criança ou bebé, brinca com o seu próprio corpo. Muitas vezes fascinado com o aparecimento de sangue ou feridas, ele prossegue numa auto-destruição inconsciente.

Mas há também perigos externos; ameaças mais difíceis de controlar e prever. O sol, por exemplo. O nosso corpo reage ao calor através da transpiração. Um portador de N.S.H não transpira. O calor acumula-se em si de forma perigosa e destrutiva, sem que disso se aperceba. Graves casos de desidratação se verificam.

Este acumular de factores de risco conduzem, muitas vezes à morte.

Ainda sem cura, a N.S.H é apenas tratada através de um acompanhamento psicológico e psiquiátrico. Os médicos procuram essencialmente fazer com que os pacientes aprendam a lidar com a ausência de dor de uma forma mais saudável e natural. Mas os casos de sucesso são, ainda, muito limitados.
A dor desempenha um papel demasiado importante para poder ser facilmente desprezada.

Apesar de não ser uma doença que atinja um número significativo de pessoas, é, sem dúvida, uma patologia interessante, na sua génese. Faz-nos pensar que, afinal, talvez a dor não seja tão má e desprezível quanto pensávamos.
Na fronteira do limbo

A vida é simples. Vivê-la é que fica mais complicado. Descobrir os prazeres simples de cada dia exige muita atenção. É preciso crescer a cada passo e sonhar como quem respira num sono profundo. A fantasia espreita, por detrás dos olhos atentos.
A chave para sorrir está na curiosidade teimosa. Na inocência escondida que nunca se perde. A alegria da vida é o mistério de jamais querer desvendar tudo. É o recuar quando se está quase a ganhar. A ambição comedida.
O prazer de comer o último pacote das nossas bolachas preferidas, com receio de que elas acabem, procurando prolongar o sabor de cada trinca. a vida é simples, como beber um copo de água, quando se tem sede.
Caminhar com os pés descalços... correr na relva fresca, num dia de calor. Mergulhar no mar quando ele chama por nós. Ser livre é aceitarmos a nossa própria natureza. Divertirmo-nos com nós próprios. Rir-se do reflexo num espelho brincalhão. Correr contra a própria sombra, como dois cachorros que brincam às apanhadas. Mordidelas amigáveis; palmadas gostosas... cair de propósito e rolar na areia solta de uma praia abandonada pelos olhares alheios.
Viver sem pressa; acordar quando o corpo inquieto e desperto. Dormir por cansaço. Entregar-se a um abraço sincero. Chorar de alegria num reencontro adiado sem culpa. Dizer aos amigos o quanto gostamos deles. Dar presentes sem data marcada. Elogiar a beleza de quem a exibe. Dar sem esperar receber.
Errar para aprender. Tropeçar para crescer. Crescer para saber viver. Com a sabedoria de um velho; a serenidade de um homem; a força de um jovem; a curiosidade de uma criança e a esperança de um bebé.
Viver é simples...
Cuidar de um irmão doente. Dar um pão ao pobre solitário da esquina. Cumprimentar a pessoa que se senta a nosso lado no teatro. Ajudar um cego a atravessar a estrada. Abordar aquela pessoa que sempre desejámos conhecer. Felicitar aquele pintor que tanto admiramos. Olhar o sol até os olhos não quererem mais. Beber da água da chuva.
Saltar na cama e gritar até a voz fugir. Dançar de olhos fechados. Abrir os braços ao vento. Ver uma flor crescer. Uma borboleta voar. Um peixe a nadar. Uma pedra a respirar ou uma águia a flutuar pelos céus. Lá em cima onde só as nuvens chegam e nos levam quando sonhamos de verdade. Saber que os anjos existem quando acreditamos neles.
Segurar a mão de um filho que dorme em paz. Perdoar quem nos fez mal. Amar...
A vida é simples. Vivê-la é que fica mais complicado...
Fazer cócegas aos nossos pais. Apanhar uma estrela do mar. Escutar o som do mar recolhido numa concha. Relembrar aquele dia especial... ouvir a história de um avô cansado pelo tempo. Surpreender aquela amiga que anda triste. Mandar flores à pessoa amada. Flores arrancadas do jardim. Flores roubadas, como deve sempre ser, quando se ama de verdade.
Escrever um poema em branco. Falar através do silêncio. Olhar para o escuro. Meditar. Escutar o som que sai da rua quando a noite cai. Ver o sol a nascer. Correr pela manhã. Cair de bicicleta. Rirmos de nós mesmos. Ver aquele filme especial. Cantar, desafinar...
Andar devagar. Entrar na loja que sempre passámos. Convidar os vizinhos que não conhecemos para almoçar em nossa casa. Ler aquelas cartas antigas. Telefonar à primeira namorada, só para saber se está bem. Plantar uma árvore. Abrir as páginas de um livro marcante. Só para sentir o cheiro...
Sorrir ao acordar. Dormir profundamente. Pedir perdão quando erramos. Agradecer a quem nos faz bem. Estar tranquilo. Desfrutar da nossa própria companhia, quando estamos sozinhos. Passear... viver...sonhar...pensar...amar...
Viver é simples....basta querer...
A arte é a criação da simplicidade. O artista é o intérprete do prazer. O homem que vive na fronteira do limbo. Caminhando sempre, perdido entre o génio e a loucura; alternando sonho e fantasia com as dores e amores do dia-a-dia. Ser artista é descobrir que não há fronteira para a fantasia. Basta fechar os olhos para mergulhar nesse planeta profundo e perdido chamado eu. Ser artista é viver simplesmente e sonhar com toda a ambição que um homem pode ter. É ser simples e complexo ao mesmo tempo; sê-lo num só olhar. Saber que do pouco se faz muito. Que a eternidade é o tempo virado do avesso. É ser a criança que não cresce e o velho que não morre dentro dum só corpo. Beber tudo com os sentidos... estar aberto ao mundo...viver... viver... viver...
A vida é simples. É só fechar os olhos, sorrir e ousar dar um passo, sabendo que ninguém se perde no caminho quando sabe quem é...
INCOERÊNCIA

“Seja você mesmo, mas não seja sempre o mesmo.” Gabriel, o Pensador

Tantas vezes ouço gritos de revolta contra o que a nossas sociedades se habituaram a chamar de incoerência. Faz-se apelo a uma unidade; a uma harmonia mental e emocional. A uma estabilidade de carácter. A civilização passa muito por uma estandardização de tudo, desde aspectos exteriores até algo tão íntimo como a nossa própria personalidade. Somos ensinados a moldar-nos. Instigam-nos para que nos definamos. Só quando somos um só, uno e consistente somos considerados totais e completos; prontos para desempenhar o nosso papel de actores sociais numa sociedade cada vez mais igualitária nas suas desigualdades invisivelmente visíveis.

A nossa socialização torna-nos rectos. Deturpa a nossa visão periférica e faz com que olhemos numa só direcção. São-nos dados conhecimentos comuns, aprendizagens comuns para que nos tornemos pessoas comuns. Todos iguais, com ligeiras semelhanças, mas com essências oriundas de uma mesma raiz cultural.

Sempre me fez profunda confusão a existência de uma necessidade de coerência. Para mim, ser coerente é ser o mesmo. E faz parte de tudo o que vive na natureza viver, e viver passa por transformar. Evoluir; regredir; tudo é estar vivo. Viver é mudar. Ser coerente é permanecer-se imutável. É ser hoje o mesmo que fui ontem. É pensar hoje o mesmo que pensava anteriormente e dizer hoje o mesmo que dizia outrora. Isto é sinónimo de que não há vida. Não há movimento. Não há experiências, sejam elas boas ou más.
Qualquer que seja a situação por que passemos, dela devemos extrair algum ensinamento. Quer seja para pensar: isto não é bom para mim, mas algo devemos retirar de tudo quanto fazemos. Isso é aprender. Aprender é interagir com o mundo à nossa volta. É sermos dinâmicos e activos. O contrário é ser-se passivo e estático como uma pedra. É contemplar a vida, em vez de a viver.

Cada dia deve transformar-nos um pouco. A vida nada mais é que uma estrada de processos constantes e incessantes de novas facetas e caracteres para nós. Devemos explorar tudo, dentro e fora de nós. Ser vários dentro de um grande e abrangente EU. Estas duas palavras devem ser amplas, sempre com maiúsculas, como na língua inglesa, para compreender em si todos os vários eu´s que podemos albergar na nossa existência temporal.

O tempo urge. Foge como areia que escorre por entre os nossos dedos, ainda que fechados. Nada podemos fazer que contrarie a natureza das coisas. Já existia vida antes de cada um de nós estar vivo, e continuará a existir depois de nos extinguirmos.
Devemos captar o máximo que pudermos enquanto vivemos. Saborear cada sensação como se fosse nova. Aprender tudo para em seguida desaprender. Não nos devemos apegar ao que é volátil, e tudo é nesta vida..

A sabedoria passa, também, por sermos habilidosos o suficiente para reconhecermos com humildade que somos pequenos e insignificantes, quando colocados fora de nós mesmos. Mas só quando olharmos para dentro, com olhos de ver e não de olhar, descobriremos que tudo o que importa está aí: a eternidade, todos os tempos, felicidade, todos os segredos sobre a vida, sobre deus e o amor..nós somos o último mistério das nossas próprias vidas.

A estrada para o conhecimento tem vários caminhos, e em cada um há algo para aprender e apreender. Escolher um ou dois é limitarmo-nos a nós mesmos. A coerência é uma palavra que foi inventada para nos impedir de pensar livremente. Por vivermos fora da prisão, não significa que sejamos livres, mas apenas que vivemos em liberdade. Ser-se livre é um trajecto muito mais duro e penoso. Um processo de desconstrução contínua. Heterodoxia constante e incessante. Coerência é ver o mundo de dentro da caverna de Platão, ou através de uma pala que nos força a mirar sempre em frente.

Somos todos escravos de nós mesmos, se não soubermos aprender a ser inconstantes. Ser incoerente é sinal de mudança. Mudança é sinal de vivência, e vivência é sinal de experiência. O mundo está dentro de nós. É preciso descobri-lo. Não para saber, mas para desaprender. Só quando desmontarmos e nos desprendermos de tudo quanto sabemos seremos livres. A incoerência é a chave sagrada para a descoberta da verdadeira essência: EU.
HOMOSSEXUALIDADE VS BICHICE

A homossexualidade é, ainda, e teimosamente, encarada com desconfiança. Mesmo após demonstrações científicas que provam de forma indubitável que não se trata de nenhuma doença ou anomalia, este fenómeno continua a ser visto como algo abominável, por larga camada da sociedade.
Creio que muito disto se deve a um fenómeno recentemente associado pelo senso-comum à homossexualidade: a bichice.

A homossexualidade é, enquanto tal, algo perfeitamente aceitável e respeitável. É uma forma de viver a sexualidade. Uma atracção por pessoas do próprio sexo. Tão inofensiva e aceitável, a meu ver, como a heterossexualidade ou a bissexualidade.
Na verdade, e faço aqui um parêntesis curto para dizer que, eu defendo uma teoria: nós somos todos biologicamente bissexuais. A nossa vivência, as experiências a que estamos sujeitos é que fazem com que nos inclinemos mais para um lado ou para o outro na balança sexual.

A relação homossexual sempre existiu e sempre existirá, quer queiramos ou não aceitá-la. É uma realidade incontornável, e quanto mais cedo a aceitarmos melhor será para a aprendermos a suportar sem custo. Os próprios animais também manifestam esta tendência comportamental.
É apenas uma forma de amor diferente da maioria. Ser diferente tem que parar de ser visto como ser doente.

O que é aquilo que eu defino como bichice? A bichice é o movimento que deu origem às bichas. As bichas são os homens que tentam ser mulheres e as mulheres que tentam ser homens.
Todos sabemos do que falo. Aqueles homens que agem como se fossem mulheres. Que afinam a voz para aproximar o seu tom do feminino. As mulheres que colocam roupas de homem e cortam o cabelo curtíssimo para se parecerem mais com homens.
Os tiques que uns e outros adoptam para se fazerem passar por algo que não são.
Para mim, este tipo de atitudes não dignificam, nem facilitam em nada a compreensão da naturalidade da homossexualidade. Pelo contrário, este fenómeno abichanado provoca apenas uma onde de repúdio e revolta. De facto, uma bicha é alguém que não se encaixa em nenhum dos sexos. Não se adequa aos moldes de homens e mulheres. É um intervalo sexual que se manifesta pelo vazio de sentido e de coerência. São produtos carnavalescos à procura de uma identidade que tentam mostrar sem ter. É confrangedor para mim ver bichas a agir, todas seguras de si, como se fossem seres especiais e mais inteligentes que os outros, gabando-se, tantas vezes, de serem mais sensíveis, mais delicados, com sentidos mais apurados e mais completos, por terem (ao que dizem...) características de ambos os lados da balança sexual.

Foram as bichas que criaram o chamado “Orgulho Gay”. Carnavais como as Gay Parade são inventadas como formas de libertação e demonstração de coragem e grito de revolta contra a repressão.

Eu, pela minha natureza, desconfio sempre de emoções colectivas. E desconfio igualmente de tudo o que seja necessário demonstrar aos outros.

Eu estou perfeitamente seguro em relação à minha sexualidade (heterossexualidade) e não sinto necessidade de andar a gritar a todo o mundo “Olhem, sou heterossexual e tenho muito orgulho nisso!”. Para quê? Não há necessidade de o fazer porque não ganharia nada com esse gesto. A minha própria convicção chega para estar bem na minha própria pele e natureza sexual. Não existe o “Orgulho Hetero” por algum motivo. Não há necessidade de aprovação, nem de manifestação da natureza heterossexual para que haja aceitação.

Acho que é necessário que as próprias bichas se aceitem plenamente. Quando, de facto, o fizerem, perceberão que não necessitam de mostrar nada a ninguém, nem de provar nada a quem quer que seja. Eu percebo a natureza dessas manifestações (como forma de libertação e assunção) e até o contexto social em que surgem (como resposta a agressões e preconceitos imbecis), mas muito sinceramente eu continuo a dizer o que sempre achei: responder a algo é sempre estar preso à pergunta inicial ou, neste caso, à agressão inicial. Se há necessidade de responder, é porque a ofensa ainda nos atinge e afecta. Há que saber contornar essas agressões, através de uma atitude mais sábia, no sentido de ser capaz de aprender a destrinçar o que é importante e relevante do que é supérfluo.

O mais importante é cada um sentir-se bem na sua própria pele. Estar bem consigo próprio. Conhecer-se e saber o que quer e precisa para ser um ser humano completo.

Bichas ou não bichas...pouco importa. O que mais se precisa é auto-conhecimento e amor próprio. Quem vive em função dos outros é um escravo dos outros. Libertar-se é não se importar com o que os outros pensam de nós, conquanto que estejamos bem connosco próprios.

Lamento que cada vez mais se associe a luta pelo respeito dos direitos dos homossexuais à causa bichice, que nada mais faz do que procurar chocar e causar um folclore. Um espectáculo fortuito e barato.

Assim não vamos lá...a homossexualidade está longe de ser aceite e compreendida, pois o maior inimigo está infiltrado em si, nas suas teias e meandros, agindo secretamente em seu nome, como se fosse um embaixador clandestino.
ENSAIO ACERCA DO PAPEL DA SOCIEDADE CIVIL NOS NOSSOS DIAS

Ouço, cada vez com maior frequência e insistência a alusão a termos como: sociedade civil; cidadania; centro crítico, etc. Cada vez mais se reclama acerca do fraco envolvimento dos cidadãos nas grandes questões de carácter (essencialmendes) político. Apela-se á participação e envolvimento d todos nós no mundo que nos rodeia.
Recordam-se, de forma saudosista, tempos em que houve união nacional em torno de um ideal comum e unificador.
Somos acusados, nós, os jovens, futuros comandantes do destino do mundo, de não termos iniciativa, ideais, valores; somos classificados como conformados e catalogados como passivos.
Creio, contudo, que, após se ter atingido uma situação político-social relativamendes estável, quase sempre graças á luta dos jovens de então por um ideal comum visão de uma sociedade melhor do que a que tinham na altura, é tempo de criar uma nova problemática. Uma vez que não há necessidade de lutar por um ideal: NÓS, é, pois, tempo de lutar por outro ideal: EU. Vivemos no tempo do eu. A era em que vivemos cultiva a personalidade individual como nenhuma outra fizera até então.
E se, por um lado, a luta comum e associada por um bem-estar colectivo pode ser atingida, de forma mais ou menos imperfeita, uma vez ser impossível agradar a todos. Quando lutamos e procuramos um bem-estar individual, por outro lado, a tarefa torna-se bastante mais crítica e complexa.
Cada pessoa desenvolve a seu respeito, e para si, uma concepção mais detalhada, aperfeiçoada e concreta. Todos temos no nosso íntimo um eu ideal. A pessoa que gostaríamos de ser; um projecto adiado de uma auto-identidade sonhada.
E é aqui que reside, penso eu, a origem e causa do distanciamento da chamada Sociedade Civil das grandes causas comuns. Vivemos todos numa luta diária e contínua pela construção de uma sociedade individual interior idealizada. Nesta busca pelo aperfeiçoamento do EU, todo o processo é individual. Podemos, quando muito, recorrer à aprendizagem externa ou a aconselhamento junto de familiares, amigos ou quaisquer outras pessoas (ou entidades) que consideremos capacitadas para o efeito.
Houve, no evoluir das sociedades humanas, uma substituição de problemas com carácter macro por problemas com carácter micro. E estes são tão mais difíceis de resolver por decretos ou convenções, pois são de uma complexidade e diversidade infinitas.
Todos lidamos com: sonhos adiados, passados mal resolvidos e traumáticos, problemas monetários, vidas sentimentais conturbadas, empregos indesejados...E em cada um, o caso é único, ímpar e completamendes diferente do caso do nosso vizinho.
A política surge como resposta a problemas sociais.
Como paralelo, temos a filosofia e a religião como tentativas de solucionar ou ajudar a atenuar os problemas existenciais e profundamendes individuais com que todos nos deparamos.
Até aqui a divisão está presente.
Quem se cansa de si, isto é, de procurar-se, sem se encontrar, recorre, frequentemendes à religião em busca de resposta ou sentido para a existência. Esperam, em última instância, encontrar-se, por meio ou intermédio de um ser superior.
Quem opta pela filosofia fá-lo, geralmendes, por obstinação ou incapacidade de crença. São, ,talvez, aqueles que se sentem não perdidos, mas situados nos arredores de si mesmos. Têm, ou julgam ter, uma ideia mais concreta de quem são e do que é, e como é, o mundo em que vivemos.
Esta é, em última análise, a maior e mais forte clivagem entre as orientações d vida dos seres humanos: os que buscam a paz, ou segurança, por intermédio da religião; e os que fazem da busca pela liberdade sua missão ou objectivo de vida.
Não se pode dizer de forma clara, directa e contundente, quem está mais próximo do que procura.
O que é necessário é que haja tolerância compreensão e que ambas as partes compreendam que buscam todos o mesmo, só que por caminhos diferentes.
Não existe nenhuma receita para a Felicidade.
Só nos resta viver e ir experimentando (de uma forma inconscientemendes aleatória) as várias formas de se ir vivendo. Cometendo erros para aprender, e aprendendo para saber.
A Sociedade Civil não está morta ou desaparecida. Creio que apenas está em formação.
Haja paciência! (E sapiência...)
DEFEITO?

Desde sempre fui educado a recear esta palavra. A olhá-la e ouvi-la com desconfiança e desconforto. Foi-me apresentada como algo nocivo e que devíamos evitar a todo o custo.
A perfeição era apresentada como o que devia procurar. Se não na plenitude, pelo menos uma aproximação o mais próxima possível.

Mais tarde conheci e elegi outros ideais que escolhi como os que mais me motivavam e incentivavam. Surgiram aí a ideia de Liberdade, de Sabedoria, de Heterodoxia, de Amorismo. Cada uma destas palavras encerra um significado maior do que eu próprio sei ou virei algum dia a saber.
Ainda assim quis dedicar-me a desvendá-las. A motivação era, e é muita. O problema é que em matérias intelectuais e/ou afectivas, à medida que descobrimos vamo-nos apercebendo do quão longe estamos de chegar à ideia original que nos fez começar. Quanto mais vamos descobrindo, mais nos vamos apercebendo o quão longe estamos de descobrir, não a palavra, mas o conceito, na sua plena dimensão.

O significado que cada palavra encerra é interior a cada um, e relativo a cada momento. As palavras são, somente, um símbolo de uma significação oculta e profunda e variável. Variável de pessoa para pessoa, e dentro da mesma pessoa, de momento para momento.

Tudo o que nós alcançamos são aproximações. São semelhanças. Vultos mais ou menos ténues do que imaginamos ser o real valor ou essência de algo.

O que será um defeito?

Não é uma falha que afasta algo de ser completo e pleno?
Não é uma distância existente entre o a nossa percepção e a real existência de algo?
Não é uma ideia desviada, muito ou pouco, da realidade (seja ela qual for...)?

Não serão, enfim, todas as palavras que conhecemos defeitos?

Haverá alguma que transporte em si toda a grandeza e valor da ideia que pretende simbolizar?

Não estaremos rodeados e limitados aos defeitos?
Tudo o que fazemos é um defeito. Uma falha. Uma aproximação de uma ideia, essa sim pura e ideal. Os defeitos são a realidade, de facto. São-no, porque só entramos em contacto com eles. Só a eles temos acesso. Tudo o mais fica retido na imaginação. Nas profundezas da consciência de cada um de nós. Na prática, tudo o que é feito é um defeito.

Por que será mau, então?
Não faz sentido...

DEFEITOS HUMANOS

O que mais aprecio nas pessoas são os seus defeitos. As suas qualidades não me despertam particular afeição.
As qualidades são comuns, banais e iguais. Moldam-nos a um mesmo modelo. Desoriginalizam-nos. Tiram-nos a autenticidade. Uma coisa apreciada por muita gente tem pouco conteúdo. Tem pouco sentido, pouca profundidade e uma essência vazia, no fundo.

Os defeitos são o que nos distinguem uns dos outros. São eles que nos tornam únicos.

Pergunte-se a alguém o que mais aprecia nos seus amigos/amantes, etc.. Obter-se-ão respostas muito similares. Em termos ideais e teóricos queremos e gostamos todos do mesmo. Se nos fosse possível (e desejável) cumprirmos esses princípios idílicos que todos pensamos ter, seríamos uma humanidade igual e desinteressante. São as falhas que atribuem pimenta e sabor às nossas vidas.

Um amigo meu disse-me a seguinte frase de Francis Ford Coppola: “Perfect is the enemy of good.”

Na verdade, o que me faz gostar das pessoas de quem gosto são os seus defeitos. São estes que os distinguem uns dos outros e os tornam especiais.

As pessoas verdadeiramente inteligentes são as que ousam maximizar e exponenciar os seus defeitos. São os que conseguem fazer com que os restantes os admirem por qualidades desconhecidas. Os que fazem da sua individualidade a sua bandeira e a sua personalidade. No fundo, se formos a observar com atenção, chamamos defeito a tudo o que é diferente. sinal de inteligência é saber ver que o diferente é bom. É-o por um simples motivo: é autêntico e único.

Quantas pessoas são admiradas por defeitos?

O nariz da Linda Evangelista é a sua principal característica distintiva.
Os lábios da Angelina Jolie.
«“Sinal de inteligência é olhar para além das limitações.” Demóstenes, apesar de tímido e gago, transformou-se num dos mais destacados oradores da Grécia Antiga. Helen Keller, apesar de cega e muda-surda, foi uma notável escritora do século XX.». (esta frase estava num dos meus cadernos. Retirei-a de um livro que li faz tempo...lamento não poder indicar com precisão a sua autoria.).
Fernando Pessoa soube transformar e canalizar os seus “defeitos” de personalidade para uma escrita notável.
A Humanidade está cheia de exemplos de pessoas que se destacaram por terem sabido tirar partido dos seus defeitos.

Pobreza é falta de imaginação. Pobre é aquele que se sente limitado, ou preso, a barreiras naturais. As dificuldades existem para que as contornemos e para que com elas aprendamos..a aprendizagem serve pare crescermos. Crescer é acumular experiências. O erro é o primeiro estágio do conhecimento. E o defeito foi o erro mais abençoado que deus (não, não pretendia escrever Deus) nos deu. Porquê? Porque ele está incrustado em nós. Porque faz parte de nós. Do que somos e seremos. Só seremos melhores e maiores, enquanto pessoas, quando os soubermos incorporar nas nossas vidas de forma inteligente.

Esta foi, enfim, a minha apologia do Defeito!
CRATIA

Sempre achei que devíamos dar mais atenção à etimologia. A origem das palavras é um dos segredos mágicos a ser descobertos, nos tempos que correm. Se investíssemos algum do nosso tempo a pesquisar o significado que cada palavra encerra, haveríamos de descobrir como, afinal, tudo é tão mais simples do que parece. Grande parte das palavras já nos dá pistas sobre o seu significado. E é fascinante como se formam pequenos jogos de puzzles com as palavras. Uma mesma palavra, combinada com diferentes outras, assume-se das mais diversas formas e conteúdos. Como percebo o que levou Jean-Paul Sartre a escolher como título de um dos seus livros “As palavras”...

Cratia é uma palavra grega que está na origem de termos como aristocracia ou democracia. Significa poder. Quando precedida de “aristo” (os melhores), significa “o poder dos melhores”, no sentido em que as classes sociais mais elevadas exerciam o poder de uma forma natural e aceite. Aristocracia é um regime de sociedades estratificadas em classes. Democracia vem de Demos (povo) e traduz “o poder do povo”. Quando ouvi Carlos Amaral Dias dizer que “Não há nada mais afrodisíaco para o Homem do que o poder”, soube estar a ser confrontado com uma das grandes verdades do comportamento humano individual e socialmente.
A verdade, é que, seja nas relações profissionais, familiares ou meramente sociais, se desenrolam lutas de poder constantes, a um nível quase sempre subliminar e inconsciente. Esta faceta está em cada pequeno gesto dos nossos dias, desde a sedução à simples forma como nos cumprimentamos. Até na forma como um casal dorme ou como uma família se senta à mesa estão relações de poder em causa.

Quem, como eu, nasceu na década de 80 do século passado, perdeu quase todas as grandes realizações e personalidades da humanidade. Não conheci a Biblioteca de Alexandria, não vi nenhuma das Sete Maravilhas do Mundo Antigo (embora ainda haja esperança de conhecer as Pirâmides de Gizé!), não conheci Jesus Cristo, nem Nostradamus. Conheço Leonardo da Vinci à distância. Nem Cleópatra tive a oportunidade de conhecer. Ou ainda Albert Einstein, por exemplo... Não vivi a invenção da roda, nem a descoberta do fogo. Ah, como gostaria de ter vivido nos tempos áureos das sociedades helénicas...!
Nasci depois do Homem ter chegado à Lua e até depois de Pelé ter deixado de jogar. Era demasiado novo para apreciar devidamente o jogo de Maradona.
Tenho alguns consolos, como ter vivido o nascimento da internet, ter assistido a Kasparov a jogar xadrez, ter vivido na época de Eduardo Lourenço ou ainda ter tido o privilégio de ver Zidane a jogar futebol e Michael Jordan a jogar basquetebol. Assisti a concertos da Diana Krall...
Bem, mas este pequeno ensaio não é um role de desabafos acerca do tempo que se viveu antes de mim. Devo reconhecer que o século XX e, presentemente, o XXI trazem coisas muito boas, mas a grande verdade é que nasci numa época em que pouco havia para inventar. A minha geração já apanhou todas as revoluções feitas, todas as sociedades descobertas. As gerações que nos antecederam deixaram-nos a dura tarefa de ter que descobrir o prazer de viver sem grandes desafios pela frente.
E é por tudo isto que me sinto um homem de grande sorte por ter tido a oportunidade de viver um dos momentos mais singulares da história recente do meu país.

No dia 5 de Fevereiro de 2008, entrava em vigor a nova tarifa dos transportes semi-colectivos em Maputo, anunciada alguns dias antes, após um acordo entre as entidades governamentais e privadas. Os preços de 7,5 e 10 meticais viriam substituir os de 5 e 7,5 meticais que estavam em vigor até à data.
A cidade acordou sobressaltada. Uma greve repentina se havia instaladao e alastrado. Começaram a surgir relatos de que as populações estavam a bloquear a circulação dos chapas e haviam montado barricadas nalgumas das estradas da cidade e arredores.
Aos poucos, a situação foi-se propagando, com a força de um vírus altamente contagioso. A sociedade estava doente e todos éramos vítimas...
Ouviam-se tiros da polícia tentando suster os ânimos mais exaltados e salvaguardando a sua própria integridade. Carros foram incendiados e lojas vandalizadas. Quem circulasse de carro pelas zonas quentes desse dia corria o risco de ser apedrejado. As escolas fecharam, lançando para a rua as crianças, principais manifestantes desse dia, e toda a actividade da cidade parou. Em casa, assim como na rua, estávamos todos mergulhados no tumulto social que se fazia sentir.
Há quem lance a suspeita de que tenha havido alguma mente a organizar toda agitação e revolta, com o argumento de que não é normal que a população tenha agido daquela forma de modo puramente espontâneo. É possível, e até provável, mas não creio ser importante especular acerca de uma coisa que nunca viremos a saber. Por mim, prefiro falar do que sucedeu. Daquilo que se viveu e sentiu, de facto.
O exercício que faço é pessoal e reflecte o que eu penso e vejo. Não receio enganar-me nas minhas análises, pois faço-as de forma livre e seguindo aquilo que a minha mente vê e sente.

Quem pensa que o que se passou foi simplesmente uma manifestação de desagrado popular face à subida dos preços dos transportes vê apenas a ponta do iceberg. Se assim fosse, não seriam atingidos outros que não os transportadores ou, até poderia ter havido apenas um boicote aos chapas, por exemplo...O que se passou foi uma revolução social, na verdade. O eclodir de um sentimento social que vinha sendo cultivado dentro de cada um de nós, em segredo, e durante muito tempo... a subida dos preços foi o pretexto para tudo o que se seguiu.
Desde as cheias, ao terramoto, à explosão do paiol de Malhazine e chegando à subida generalizada dos preços, a verdade é que a população estava insatisfeita e até revoltada com o estado das coisas. Ora, este tipo de fenómenos é gradual e vai sendo contido até onde é possível. E assim foi...a última gota de água caiu e o copo entornou.
O povo saiu à rua com o sangue a ferver e travou, mais uma vez sem se dar conta, uma luta pelo poder. Pelo poder social. E, quando nessa noite, o governo veio anunciar que, atendento à insatisfação manifestada pelas populações e sendo um governo que zela pelo bem estar do povo (só não ouso citar por não poder precisar as palavras exactas que foram empregues), estava suspensa a entrada em vigor da nova tarifa de preços dos transportes, foi claro para mim que a luta havia sido ganha. A democracia deixou, por um dia, de ser um nome para ser, de facto, um modelo que se fez sentir como a Demos Cratia. O povo tomou o poder nas suas mãos pela força e o governo reconheceu-o de forma inteligente.
Esta é a verdadeira e primeira vez em que eu vi o que é a democracia, na sua essência mais selvagem. Aprendi muito...quem diz que a voz do povo é a voz de Deus nunca viu as vozes e gestos de populações enfurecidas.
O que eu vi foi um gesto de revolta social. Uma manifestação contra a opressão a que as pessoas se sentem acorrentadas. E foi tudo cheio de gestos simbólicos... a queima de pneus (que no nosso imaginário colectivo estão associados a gestos de justiça popular); a um assalto e vandalização de uma escola com o nome do Presidente da República sob gritos do nome do próprio; o impedimento de acesso da televisão estatal às zonas de turbulência pela sua ligação ao governo; o ataque a todas as formas de riqueza, como carros ou lojas... Enfim, creio que foi um exercício de exorcismo de muitos fantasmas que pairavam sob a nossa sociedade. E ainda bem que aconteceu. Apesar de todos os excessos que foram cometidos e de todas as insensatezes que se fizeram sentir, a verdade é que, mais cedo ou mais tarde, algo parecido iria ter que acontecer. E o povo tem sempre razão quando se manifesta de uma forma tão visível.

Reforço, ainda, a minha descrença em toda a forma de emoções colectivas. Não vejo uma forma de emoção colectiva que se mantenha fiel à sua origem. Mesmo uma situação como esta do dia 5, que tinha um motivo comum e conhecido, desembocou em atrocidades e excessos perfeitamente condenáveis e evitáveis. O que eu digo é que cada pessoa é motivada por motivos pessoais, e não há como conjugar multidões num mesmo evento com uma motivação comum. É possível, sim, que estejam juntas, mas cada uma a sentir e a viver as suas próprias emoções. Emoções são da ordem do individual, e nunca da ordem do colectivo.

Muito poderia falar sobre os erros estratégicos verificados. Por um lado, não é possível pedir ao governo que baixe o preço dos combustíveis, uma vez que Moçambique se limita a comprar o crude, sem qualquer controlo sobre o seu preço. E que tem estado atento às questões de economia global saberá que o barril de petróleo tem vindo a registar preços historicamente elevados. Do mesmo modo, não creio que se possa imputar aos transportadores a conta desta subida dos preços dos combustíveis. Tal seria matar o negócio. É necessária encontrar uma forma de elevar o valor cobrado por lugar nos transportes, para compensar os empresários sem, face às condições sociais e económicas actuais, imputar esse mesmo valor aos consumidores finais. Assim, ou o Estado aumenta o salário minímo nacional para suportar as medidas inflacionárias que se verificam (a medida mais impraticável), ou subsidia o combustível para os transportadores ou paga a diferença do aumento de preço fictício sobre os passageiros ou....a hipótese que seria mais lógica, mas menos ponderada, o Estado deveria ter investido há muito tempo numa rede de transportes urbanos moderna e eficaz. Assim, reduzir-se-ia a situação de dependência que se vive actualmente, relativamente aos privados, num sector tão importante para qualquer sociedade dita moderna. Enfim...se se voltasse ao princípio e se reestruturassem certas medidas de forma adequada tantos transtornos seriam evitados.

Na verdade penso que foi muito bom o que aconteceu. A sociedade sacudiu alguma da poeira que carregava e exorcizou alguns dos fantasmas e mitos que a constroem. Pela primeira vez, em muito tempo, abordaram-se temas transformados em tabus e acredito, sinceramente que foi um processo terapêutico de grande utilidade. Talvez alguma tensão tenha sido esvaziada e nos reposicionemos todos de uma forma mais fresca e positiva para seguir com as nossas vidas, individuais e colectivas de forma mais saudável.
Por outro lado, o poder voltou a estar nas mãos do demos e isso é simbolicamente fundamental para todo o equilíbrio social. Apesar de estarmos longe de uma democracia perfeita, se é que ela existe em algum lado, demos passos necessários para consolidar um sistema político e filosófico que elegemos para organizar e gerir as nossas interações sociais, culturais e económicas.

De tempos a tempos, cada sociedade se vê confrontada com acontecimentos que a levam a pôr em causa os próprios valores que a constituem, ouvi num filme, certo dia...e penso que foi um pouco isso o que se passou. Só posso estar agradecido ao destino por me ter dado a oportunidade de viver in loco momentos como este.

Não sei, francamente, se haverá algum desenvolvimento relevante e visível, que saia de toda esta turbulência, mas, tal como Luis Freitas Lobo, eu também “sou dos que esqueço os resultados. Só recordo as emoções que vivi.”
A(-) gnose do Agnosticismo

Caminhar sem religião é um fardo. Não ter respostas prontas obriga a um esforço da mente constante. Justificar o porquê do não e não ter que justificar o porquê do sim. É assim estar na pele de um agnóstico. Mas é uma pele confortável. Por um motivo muito simples: é feita por encomenda; personalizada e à medida de quem a usa. Cada um de nós é alfaiate de si mesmo. E o conceito que qualidade é a sensação de conforto que o uso dessa pele nos dá.

Mas bem, esta reflexão foi despertada pela mensagem de Natal de uma das altas figuras da igreja católica de Lisboa. Cardeal. Bispo. Não sei bem agora. E na verdade nem deveria importar muito. Acredito que a sua opinião não foi pessoal, mas institucional, assim que não importa tanto quem disse mas o que disse. No discurso (ou sermão?) de Natal, dirigido aos fiéis, foram reservados conselhos para os ateus e agnósticos. Destaco a parte em que dizia que “há inquietações profundas que não dificilmente se podem calar.” Denunciava, ainda, o agnosticismo como um refúgio e lançava o aviso de que tanto o ateísmo como o agnosticismo não passam de tentativas frustradas de adiar o inevitável encontro com Deus.
Uau!
Por onde começar? Bem, para já, creio ser necessário esclarecer as terminologias em jogo. De uma forma simples e clara, como deve ser. Os pensamentos devem ser complexos; a expressão dos mesmos deve ser descomplicada. Ateu, crente e agnóstico. Três subjectivos diferentes e tantas vezes confundidos.
O crente é aquele que acredita. Em Deus, em deuses (ou Deuses. Por que retirar-lhe a maíscula inicial?).
Ateu é todo aquele que nega a existência do mesmo Deus ou Deuses.
O agnóstico é aquele que diz que não sabe se Deus ou Deuses existem ou não existem.
Partindo desta clarificação, e antes de prosseguir, gostaria de deixar um excerto do meu texto Baphomet:
“Falávamos sobre a minha natureza agnóstica e ela lançou a ideia de que talvez fosse uma indefinição ideológica, que poderia vir a ser, ou não, preenchida ao longo da minha vida. A ideia ficou a saltar na minha mente de forma agitada e desconfortável. Senti que, de certa forma, não tinha, ainda, pensado no assunto com suficiente lucidez. Ora, após muita ideias e reideias, percebo agora que a interrogação pode ser uma forma de afirmação e ao mesmo tempo de negação, e não apenas um espaço que medeie ambos os lados, que quanto mais estremados, mais próximos se encontram. A interrogação tem um espaço próprio. Um espaço feito de pesquisa, de investigação. Uma descoberta plural. Interrogar é beber um pouco da afirmação e comer um pouco da negação. É uma postura firme e concreta, e não uma opção confortável e cobarde como alguns poderão pensar. Interrogar obriga a uma atenção constante e teimosa. Acreditar ou negar é uma decisão conclusiva. É uma opção que exclui o seu contrário. Quem acredita, tal como quem nega, fechou a porta ao raciocínio sobre o tema em causa. O agnóstico é, ao mesmo tempo, um crente profundo e um ateu convicto, sem ser nenhum dos dois, de forma limitada e redutora. O agnosticismo é a heterodoxia religiosa. Uma filosofia feita de razão, e não de emoção.”

Agnosticismo não é um refúgio mas uma paisagem. É uma paragem onde se chega através da interrogação e da razão. Uma identidade feita de interrogações, curiosidades e olhares renovados.

Custa-me perceber como uma pessoa cuja vida é pensar e dedicar-se à religião pode falar dessa forma. É como um escritor dizer que o romance é a suprema forma de escrita e que contos, ensaios ou poesias são expressões menores de literatura. Para mim são barbaridades ao mesmo nível. Toda a imposição, toda a forma de dogma falha à partida pela tentativa de sobrepor uma ideia a outra(s). Arrepia-me qualquer concepção que se tente elevar à custa de ataques a outras formas de estar e de ser. Grande é aquele que se destaca por saber estar harmoniosamente entre outros que pensem e vejam o mundo (físico e das ideias) de forma distinta. Rico é o que tem um pouco de tudo. Sábio é o que sabe questionar-se e colocar-se na pele dos outros. Gabriel García Márquez disse que a única altura em que um homem deve olhar para outro de cima para baixo é quando o vai ajudar a levantar-se.

Assim, se a igreja católica realmente julga que estamos (agnósticos e ateus) desencaminhados e perdidos não é desta forma que nos vão “salvar”. Nem a nível estratégico a mensagem surte ser eficaz. Não é o tom ameaçador, ou de pré-condenação que faria com que nos recapacitássemos religiosa e, mais do que tudo, filosoficamente.
Para além do mais, este tipo de discurso não colhe os seus frutos junto dos ateus e agnósticos pelo simples motivo de que não foi solicitado. Vivia naquele dia um feriado católico que, pacífica e tranquilamente, aceito como respeito pelos crentes que nele se revêem e nele encontram sentido. sou agredido com acusações de uma espécie de cobardia e ignorância sentimentais e intelectuais totalmente despropositadas.
O verdadeiro sentido daquele discurso só faz sentido quando visto de uma forma empresarial: dirigia-se, afinal, aos próprios crentes. É o temor de perda de crentes que provoca um discurso daquele género. Virado para fora mas esperando efeitos dentro de casa. Provocando um medo do que está lá fora, nos mundos agnósticos e ateu.

Não acredito que seja esta a melhor forma de conservar ou convencer seja quem for. Para mim o amor, respeito, solidariedade e compreensão deveriam ser as formas de uma religião manter os seus fiéis. Um pouco de modernidade, num sentido de adaptação às sociedades em que vive seria também aconselhável.

Não conheço um agnóstico que passe a vida a pregar para convencer os outros a converterem-se ao agnosticismo, até porque agnosticismo não existe como entidade. Basta-nos estar bem com a nossa consciência. Sentirmo-nos bem na nossa própria pele é o suficiente. Mais do que religião ou filosofia, o agnosticismo representa um bem-estar. Não é fácil. Não o vendo a ninguém porque não sou dele detentor ou representante designado.
Acredito firmemente que temos que ter uma explicação para tudo nesta vida. Qualquer que seja. Pouco importa. E quanto mais díficil for de explicar, melhor. Assim fica mais fácil de se acreditar nela.
Deixo-vos com duas frases para reflexão:
“Tentar reprimir a religião é como tentar reprimir o sexo. As pessoas irão sempre fazê-lo.” John Gray
“Fundamento concreto da possibilidade de actos humanos valiosos, a liberdade é a própria forma de existência humana quando pode dispor conscientemente dela mesma.” Eduardo Lourenço.
No futebol como na vida....

"Existe uma diferenca (e grande) entre o jogador que faz "boas jogadas" e o jogador que "joga bem".

"O bom medio eh aquele que toca muitas vezes na bola mas detem-na o menor tempo possivel."

Ambas as frases de Luis Freitas Lobo em www.planetadofutebol.com


Como diria Carlos Amaral Dias, fim de citacao, principio de excitacao....

Ate breve,

C.O.