Saturday, January 30, 2010

O AMANHECER

O sol acorda, ensonado e já cansado,
Ao som dos bichos que ditam o pulsar da cidade.
Espalha os seus raios para dar vida
E abre os olhos para ver o mundo lá do alto.

A criança, de pele negra e cabelo encarapinhado
Acorda pela voz incómoda da mãe
Abraça a avó para beber ensinamento
E toma chá para aquecer a alma em formação.

Os silêncios das suas manhãs são preenchidos
Pelas canções cantadas pelas vendedoras e empregadas que circulam
Pelas ruas animadas de calor e cheiros de frutas, de vida, de animais..
A criança coça a cabeça, sentindo que tem que a organizar para beber sabedoria.

Quando acaba o matabicho muda de roupa.
Veste o uniforme gasto de se fingir novo.
Põe a mochila carregada às costas
E despede-se com beijos da família e com um assobio cintilante.

A caminho da escola, pela estrada de todos os dias
A criança vê tudo como se fosse a primeira vez.
As caras das pessoas, os sons da cidade. Os carros que passam ruidosos..
Toda a cidade se renova a cada dia da sua vida.

O sol abraça todo o corpo da criança. Protege-a e engrandece-a.
A escola não fica longe. Tudo é perto para quem sonha.
As outras crianças, suas colegas, amigas, irmãos e irmãs
Já lá estão aos saltos, em correrias e gritarias libertadoras.

A criança junta-se ao festival da Infância.
Banhadas pelo sol africano, as crianças aprendem a ser homens.
As aulas começam numa sala cansada de adiar a reforma.
A professora entra. De bata que já foi branca e óculos no rosto.

Os seus olhos já não vêem. Já não ouve nem fala. Sente apenas.
É uma velha feiticeira, pois todos os dias faz milagres
Nas mentes das crianças africanas.
Passa-lhes toda A Vida através de contos e estórias.

Naquela sala todos estão presentes.
Mortos e vivos reencontram-se num tempo perdido da História.
De uma janela o sol espreita. Da outra uma mangueira escuta a lição.
A criança bebe as palavras da professora...

À noitinha, depois de brincar, de transpirar,
De correr, saltar e libertar das suas prisões
Os xipocos que se entretêm a ver brincar as crianças,
A criança toma um banho de água fria num tanque feito nave de sonhos.

Na cama, antes de dormir, sonha antes de sono chegar.
Sabe que vai ser um grande homem. Mais que homem vai ser Homem.
Vai casar, ser pai. Será como os velhos são.
Conduzirá a sua cidade e o seu país à vitória.

A professora disse que viver em liberdade não implica ser Livre.
Quer viver essa Liberdade. Saber o que o mundo encerra
Por detrás do coração da vida.
Os seus antepassados acolhem-no para mais uma noite de crescimento
Na eternidade da juventude....

Este poema foi escrito num enquadramento do tema “Ser africano” sugerido por Alexandre Gil. Como forma de finalizar a minha reflexão sobre a africanidade, gostaria de deixar uma frase que pensei que fosse ser o motor deste meu trabalho.

Do ponto de vista populacional, a Ásia é o continente mais determinante. A América é crucial do ponto de vista financeiro. A intelectualidade mantém-se intimamente ligada à Europa, e África alimenta o planeta do ponto de vista emocional.

No comments: