Saturday, January 30, 2010

Os piores inimigos do homem

Que o homem sempre viveu em função da mulher todos nós sabemos. Fomos sempre movidos por um desejo de conquista inconsciente e incontrolável. Uma espécie de vontade de servidão muitas vezes mal interpretada. Muitos dos grandes feitos masculinos têm na sua origem uma inspiração (ou aspiração) feminina. Fizeram-se guerras, obras de arte, entre outras actividades demonstradoras da extraordinária capacidade que nós, enquanto espécie humana, temos para fazer as melhores e as piores coisas.
A única diferença entre o macho humano e os restantes machos da natureza animal é a sua inconsciência desta tendência inevitável de serventia masculina face ao feminino. O homem procurou, então, subjugar a mulher de uma forma aparente e exterior, mas creio que, no interior de cada lar, no seio de cada família, a mulher sempre desempenhou um papel nuclear e uma influencia sonegada.
Não tenho por objectivo discursar excessivamente a respeito deste tema. O que me move é outro aspecto. Julgo que já me fiz entender, quanto a esta matéria. Passemos, então, adiante.

O imaginário masculino, nos tempos áureos do romantismo sexual sempre foi preenchido por uma adivinhação; numa altura em que as mulheres se vestiam de formas requintadas, discretas e que tinham por característica o recamar (de forma excessiva, dizemos) o corpo. Ora, com todo e pudor e moral que conduziam as mentalidades da altura, havia uma grande vantagem nas reprimidas vestimentas: deixavam espaço para o mistério. Despertavam a nossa imaginação. Cada parte de corpo visível trazia consigo magia. Tempos em que ver um joelho feminino era valorizado e apreciado.
Nos tempos em que vivemos hoje em dia, em que, como disse Carlos Amaral Dias, “se perdeu o tempo humano”, tudo tem que estar pronto, imediato. Hoje quer-se tudo facilitado. Não temos mais tempo para desvendar, para nos darmos ao trabalho de descobrir.

Daí que Luís Noronha da Costa tenha dito que “hoje em dia não há erotismo, só há pornografia.” A grande diferença entre erotismo e pornografia é que erotismo é uma arte e a pornografia é uma actividade. O erotismo implica mistério, sedução, fantasia, fascínio. Requer tempo, trabalho. É uma arte maravilhosa de noa mostrar tudo; do revelar pouco a pouco. No erotismo, cada descoberta é especial. Cada peça do puzzle que se descobre, que se encaixa, é maravilhosa. O erotismo é a arte em que o pouco vale muito. É a arte do pormenor. A pornografia é a arte da plenitude; o perfeito reflexo dos tempos apressados em que vivemos. No ambiente pornográfico tudo se mostra, até mesmo o que não queremos, ou não precisamos de ver. Não há conversa, não há encantamento, nem música, nem romantismo; não há, em suma, o tão importante tempo. O tempo humano. É como as refeições fast food, enquanto o erotismo envolve e engloba todos os prazeres de uma refeição completa, com entradas, prato principal, um bom vinho a acompanhar, uma deliciosa sobremesa e um digestivo a acompanhar bons e impagáveis momentos de conversa. O erotismo faz referencia ao amor, enquanto a pornografia se fica pelo sexo. No erotismo, o tempo é eterno, na pornografia é efémero.

Esta perda do tempo humano, acrescida de uma das consequências do feminismo deram cabo do amor romântico para instalar em seu lugar o amor prático. O feminismo e o movimento de emancipação das mulheres deram origem à maior transformação ocorrida no século XX: a alteração do papel social feminino. A mulher reivindicou o papel a que há muito estava destinada. Pela primeira vez se assumiu como igual, como par do homem. Houve o reconhecimento tardio da igualdade entre sexos. Mas, e como sucede em todas as “revoluções”, também se cometem excessos. Ao sairmos de um período de pesada repressão, procuramos, ao libertarmo-nos, uma liberdade muitas vezes excessiva. Afastamo-nos do bom-senso; do equilíbrio, da ponderação, para embarcarmos nos malefícios do excesso.
No caso da emancipação feminina, que tanta coisa trouxe de bom e necessário para nos aproximarmos de uma modernidade que tarda em chegar, aponto como malefícios (do ponto de vista do encantamento amoroso) a criação do biquini e da mini-saia. Estas duas criações da indumentária feminina vieram retirar todo o encantamento do enamoramento. Instalaram a prontidão no lugar da imaginação. Quando queríamos sonhar com o que não víamos, passámos, de repente a ver tudo e o espaço do sonho foi diminuindo de forma drástica.
Desapareceu o romance tal qual o conhecíamos; a poesia foi atraiçoada.

Estas manifestações de liberdade extremaram-se a tal ponto que me interrogo se serão uma demonstração de real liberdade ou, ao invés, um claro reflexo de uma mentalidade ainda marcada por traumas do passado, como que acorrentada por algemas intelectuais.
A negação é sempre o princípio da afirmação, assim como “o cepticismo é o princípio da fé” (Oscar Wilde). Quero apenas levantar a questão de: ao agirmos de forma a responder a um ataque de que havíamos sido vítimas, não estaremos, ainda, presos, de certa forma, às consequências da ofensa inicial? Quando estamos a responder a algo estamos sempre presos à pergunta inicial. É um processo muito simples, na verdade.
Ora, quero apenas questionar se o surgimento destes autênticos símbolos da libertação feminina, que pretendem demonstrar que as mulheres que as usam são emancipadas, livres, não serão uma forma de querer demonstrar que ainda estão, de forma inconsciente, presas a um machismo, quiçá, impregnado? Não será sintoma de uma nova forma de escravidão mental? O feminismo extremo não será uma deturpação de tudo o que a essência da revolução feminina apregoava? E não será este feminismo igualmente nocivo e inimigo das mulheres como o machismo que antes combatiam?
Posso levantar ainda a seguinte pergunta: não será uma manifestação de carência? De procura de atenção? De fragilidade? De disfarçar uma profunda insegurança com uma aparente segurança? Não sei. Limito-me a perguntar. Talvez algum dia o saiba ou uma mulher me esclareça. Os meus conhecimentos e capacidades actuais não estão à altura do desafio de responder, e se o fizesse, cairia na precipitação, e poderia vir a cometer ingénuos erros de avaliação e análise. A última coisa que pretendo é julgar; tudo o que quero é descobrir para, enfim, saber.

Se somos, de facto, livres, haverá necessidade de exibir essa mesma liberdade? Há necessidade de dizer a todos quantos se cruzam connosco: “Olhe, sou livre!”? Ou não passará de tentarmos convencer-nos a nós próprios de algo de que, afinal, não estamos tão certos?
Não sou, quero esclarecer, fundamentalista em relação a estas minúsculas e transparentes (na sua muitas vezes excessiva coloração) pecas da moderna moda feminina. Como Oscar Wilde, também eu resisto a tudo, menos às tentações. Quando vejo uma mulher atraente nestas roupas, os meus olhos inevitavelmente a percorrem, com disfarçada (por ser socialmente censurável) cobiça.
Creio que é uma daquelas situações da vida que sabem bem, do ponto de vista da estética, mas não nos fazem bem, do ponto de vista emocional. Proporcionam-nos um prazer vazio. Um orgasmo instantâneo e fugaz. Enchem-nos os olhos e agitam-nos as hormonas. Mas não acarretam sentimentalidade alguma. E é aí, justa e precisamente nesse ponto que questiono a sua valiosidade e legitimidade estética.
Algum homem vê uma mulher na praia, num biquini sensual como uma musa? Com aquela atracção poética e “pura”? Ou vemo-las com desejo? Desejo sexual, para precisar.

Tudo isto faz com que, hoje, não haja mistérios ou tabus em relação ao corpo humano. Qualquer homem tem acesso ao corpo feminino. Basta, para tal, abrir uma revista, um jornal, ou assistir à televisão. Consumimos imagens de corpos como meros anúncios de automóveis.
A modernidade trouxe consigo a amoralidade sexual. Caminhamos para a despudorização do acto sexual.
Sou, confesso com vergonha e resignação, um produto destes tempos modernos. Aproveito as facilidades que me são oferecidas, naturalmente. Observo as pernas extrovertidas que caem de uma mini saia e desejo os belos corpos que se mostram sob um curto biquini. O que lamento é que cada vez haja menos para desejar. Antes, os homens dariam tudo para ver uns joelhos; imagine-se uns seios! Hoje..só os seios (ou melhor, os mamilos) e o sexo são ocultados.
O corpo feminino é cada vez mais conhecido e menos misterioso. Por conseguinte, cada vez é menos desejado. Já diz o ditado popular que “o fruto proibido é o mais apetecido.”
No livro de Júlio Dantas, A Arte de Amar, li, no capítulo “Saias Curtas”, uma extraordinária abordagem a este tema:
“O maior prazer que uma mulher pode dar-nos não é o de vê-la; nem mesmo é o de possuí-la: é o perturbador prazer de adivinhá-la.” Dantas elucida, também, que “Nada há, em amor, que tanto apeteça como aquilo que muito se esconde.” Diz ainda que a saia curta “Não sugere o pensamento amoroso; provoca o comentário grosseiro.”
Temo que suceda o que Arnaldo Jabor profetizou: “o desejo cessará, por excesso de sexualização.”
Não sou hipócrita. Não me tomem como um. Nem sei bem se desejo que as mulheres deixem de usar mini saias e biquinis. Sei que sentiria falta. O meu instinto de conforto e facilidade sentiria falta. Não sei se gostaria; duvido até que o fizesse. Mas sei que tomo a atitude correcta. Nem tudo o que é bom faz bem. Nem todo o prazer é saudável. Não quero caminhar para a indiferença perante o corpo feminino. Este texto é um grito angustiado para que as mulheres (pois só elas o podem fazer) salvem o romance; a pureza da natureza amorosa. Talvez me arrependa destas linhas que escrevo; espero bem que sim, mas uma vez alguém disse que “só no futuro o que fazemos parece coerente.”

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