Saturday, January 30, 2010

DEFEITO?

Desde sempre fui educado a recear esta palavra. A olhá-la e ouvi-la com desconfiança e desconforto. Foi-me apresentada como algo nocivo e que devíamos evitar a todo o custo.
A perfeição era apresentada como o que devia procurar. Se não na plenitude, pelo menos uma aproximação o mais próxima possível.

Mais tarde conheci e elegi outros ideais que escolhi como os que mais me motivavam e incentivavam. Surgiram aí a ideia de Liberdade, de Sabedoria, de Heterodoxia, de Amorismo. Cada uma destas palavras encerra um significado maior do que eu próprio sei ou virei algum dia a saber.
Ainda assim quis dedicar-me a desvendá-las. A motivação era, e é muita. O problema é que em matérias intelectuais e/ou afectivas, à medida que descobrimos vamo-nos apercebendo do quão longe estamos de chegar à ideia original que nos fez começar. Quanto mais vamos descobrindo, mais nos vamos apercebendo o quão longe estamos de descobrir, não a palavra, mas o conceito, na sua plena dimensão.

O significado que cada palavra encerra é interior a cada um, e relativo a cada momento. As palavras são, somente, um símbolo de uma significação oculta e profunda e variável. Variável de pessoa para pessoa, e dentro da mesma pessoa, de momento para momento.

Tudo o que nós alcançamos são aproximações. São semelhanças. Vultos mais ou menos ténues do que imaginamos ser o real valor ou essência de algo.

O que será um defeito?

Não é uma falha que afasta algo de ser completo e pleno?
Não é uma distância existente entre o a nossa percepção e a real existência de algo?
Não é uma ideia desviada, muito ou pouco, da realidade (seja ela qual for...)?

Não serão, enfim, todas as palavras que conhecemos defeitos?

Haverá alguma que transporte em si toda a grandeza e valor da ideia que pretende simbolizar?

Não estaremos rodeados e limitados aos defeitos?
Tudo o que fazemos é um defeito. Uma falha. Uma aproximação de uma ideia, essa sim pura e ideal. Os defeitos são a realidade, de facto. São-no, porque só entramos em contacto com eles. Só a eles temos acesso. Tudo o mais fica retido na imaginação. Nas profundezas da consciência de cada um de nós. Na prática, tudo o que é feito é um defeito.

Por que será mau, então?
Não faz sentido...

DEFEITOS HUMANOS

O que mais aprecio nas pessoas são os seus defeitos. As suas qualidades não me despertam particular afeição.
As qualidades são comuns, banais e iguais. Moldam-nos a um mesmo modelo. Desoriginalizam-nos. Tiram-nos a autenticidade. Uma coisa apreciada por muita gente tem pouco conteúdo. Tem pouco sentido, pouca profundidade e uma essência vazia, no fundo.

Os defeitos são o que nos distinguem uns dos outros. São eles que nos tornam únicos.

Pergunte-se a alguém o que mais aprecia nos seus amigos/amantes, etc.. Obter-se-ão respostas muito similares. Em termos ideais e teóricos queremos e gostamos todos do mesmo. Se nos fosse possível (e desejável) cumprirmos esses princípios idílicos que todos pensamos ter, seríamos uma humanidade igual e desinteressante. São as falhas que atribuem pimenta e sabor às nossas vidas.

Um amigo meu disse-me a seguinte frase de Francis Ford Coppola: “Perfect is the enemy of good.”

Na verdade, o que me faz gostar das pessoas de quem gosto são os seus defeitos. São estes que os distinguem uns dos outros e os tornam especiais.

As pessoas verdadeiramente inteligentes são as que ousam maximizar e exponenciar os seus defeitos. São os que conseguem fazer com que os restantes os admirem por qualidades desconhecidas. Os que fazem da sua individualidade a sua bandeira e a sua personalidade. No fundo, se formos a observar com atenção, chamamos defeito a tudo o que é diferente. sinal de inteligência é saber ver que o diferente é bom. É-o por um simples motivo: é autêntico e único.

Quantas pessoas são admiradas por defeitos?

O nariz da Linda Evangelista é a sua principal característica distintiva.
Os lábios da Angelina Jolie.
«“Sinal de inteligência é olhar para além das limitações.” Demóstenes, apesar de tímido e gago, transformou-se num dos mais destacados oradores da Grécia Antiga. Helen Keller, apesar de cega e muda-surda, foi uma notável escritora do século XX.». (esta frase estava num dos meus cadernos. Retirei-a de um livro que li faz tempo...lamento não poder indicar com precisão a sua autoria.).
Fernando Pessoa soube transformar e canalizar os seus “defeitos” de personalidade para uma escrita notável.
A Humanidade está cheia de exemplos de pessoas que se destacaram por terem sabido tirar partido dos seus defeitos.

Pobreza é falta de imaginação. Pobre é aquele que se sente limitado, ou preso, a barreiras naturais. As dificuldades existem para que as contornemos e para que com elas aprendamos..a aprendizagem serve pare crescermos. Crescer é acumular experiências. O erro é o primeiro estágio do conhecimento. E o defeito foi o erro mais abençoado que deus (não, não pretendia escrever Deus) nos deu. Porquê? Porque ele está incrustado em nós. Porque faz parte de nós. Do que somos e seremos. Só seremos melhores e maiores, enquanto pessoas, quando os soubermos incorporar nas nossas vidas de forma inteligente.

Esta foi, enfim, a minha apologia do Defeito!

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