Saturday, January 30, 2010

A(-) gnose do Agnosticismo

Caminhar sem religião é um fardo. Não ter respostas prontas obriga a um esforço da mente constante. Justificar o porquê do não e não ter que justificar o porquê do sim. É assim estar na pele de um agnóstico. Mas é uma pele confortável. Por um motivo muito simples: é feita por encomenda; personalizada e à medida de quem a usa. Cada um de nós é alfaiate de si mesmo. E o conceito que qualidade é a sensação de conforto que o uso dessa pele nos dá.

Mas bem, esta reflexão foi despertada pela mensagem de Natal de uma das altas figuras da igreja católica de Lisboa. Cardeal. Bispo. Não sei bem agora. E na verdade nem deveria importar muito. Acredito que a sua opinião não foi pessoal, mas institucional, assim que não importa tanto quem disse mas o que disse. No discurso (ou sermão?) de Natal, dirigido aos fiéis, foram reservados conselhos para os ateus e agnósticos. Destaco a parte em que dizia que “há inquietações profundas que não dificilmente se podem calar.” Denunciava, ainda, o agnosticismo como um refúgio e lançava o aviso de que tanto o ateísmo como o agnosticismo não passam de tentativas frustradas de adiar o inevitável encontro com Deus.
Uau!
Por onde começar? Bem, para já, creio ser necessário esclarecer as terminologias em jogo. De uma forma simples e clara, como deve ser. Os pensamentos devem ser complexos; a expressão dos mesmos deve ser descomplicada. Ateu, crente e agnóstico. Três subjectivos diferentes e tantas vezes confundidos.
O crente é aquele que acredita. Em Deus, em deuses (ou Deuses. Por que retirar-lhe a maíscula inicial?).
Ateu é todo aquele que nega a existência do mesmo Deus ou Deuses.
O agnóstico é aquele que diz que não sabe se Deus ou Deuses existem ou não existem.
Partindo desta clarificação, e antes de prosseguir, gostaria de deixar um excerto do meu texto Baphomet:
“Falávamos sobre a minha natureza agnóstica e ela lançou a ideia de que talvez fosse uma indefinição ideológica, que poderia vir a ser, ou não, preenchida ao longo da minha vida. A ideia ficou a saltar na minha mente de forma agitada e desconfortável. Senti que, de certa forma, não tinha, ainda, pensado no assunto com suficiente lucidez. Ora, após muita ideias e reideias, percebo agora que a interrogação pode ser uma forma de afirmação e ao mesmo tempo de negação, e não apenas um espaço que medeie ambos os lados, que quanto mais estremados, mais próximos se encontram. A interrogação tem um espaço próprio. Um espaço feito de pesquisa, de investigação. Uma descoberta plural. Interrogar é beber um pouco da afirmação e comer um pouco da negação. É uma postura firme e concreta, e não uma opção confortável e cobarde como alguns poderão pensar. Interrogar obriga a uma atenção constante e teimosa. Acreditar ou negar é uma decisão conclusiva. É uma opção que exclui o seu contrário. Quem acredita, tal como quem nega, fechou a porta ao raciocínio sobre o tema em causa. O agnóstico é, ao mesmo tempo, um crente profundo e um ateu convicto, sem ser nenhum dos dois, de forma limitada e redutora. O agnosticismo é a heterodoxia religiosa. Uma filosofia feita de razão, e não de emoção.”

Agnosticismo não é um refúgio mas uma paisagem. É uma paragem onde se chega através da interrogação e da razão. Uma identidade feita de interrogações, curiosidades e olhares renovados.

Custa-me perceber como uma pessoa cuja vida é pensar e dedicar-se à religião pode falar dessa forma. É como um escritor dizer que o romance é a suprema forma de escrita e que contos, ensaios ou poesias são expressões menores de literatura. Para mim são barbaridades ao mesmo nível. Toda a imposição, toda a forma de dogma falha à partida pela tentativa de sobrepor uma ideia a outra(s). Arrepia-me qualquer concepção que se tente elevar à custa de ataques a outras formas de estar e de ser. Grande é aquele que se destaca por saber estar harmoniosamente entre outros que pensem e vejam o mundo (físico e das ideias) de forma distinta. Rico é o que tem um pouco de tudo. Sábio é o que sabe questionar-se e colocar-se na pele dos outros. Gabriel García Márquez disse que a única altura em que um homem deve olhar para outro de cima para baixo é quando o vai ajudar a levantar-se.

Assim, se a igreja católica realmente julga que estamos (agnósticos e ateus) desencaminhados e perdidos não é desta forma que nos vão “salvar”. Nem a nível estratégico a mensagem surte ser eficaz. Não é o tom ameaçador, ou de pré-condenação que faria com que nos recapacitássemos religiosa e, mais do que tudo, filosoficamente.
Para além do mais, este tipo de discurso não colhe os seus frutos junto dos ateus e agnósticos pelo simples motivo de que não foi solicitado. Vivia naquele dia um feriado católico que, pacífica e tranquilamente, aceito como respeito pelos crentes que nele se revêem e nele encontram sentido. sou agredido com acusações de uma espécie de cobardia e ignorância sentimentais e intelectuais totalmente despropositadas.
O verdadeiro sentido daquele discurso só faz sentido quando visto de uma forma empresarial: dirigia-se, afinal, aos próprios crentes. É o temor de perda de crentes que provoca um discurso daquele género. Virado para fora mas esperando efeitos dentro de casa. Provocando um medo do que está lá fora, nos mundos agnósticos e ateu.

Não acredito que seja esta a melhor forma de conservar ou convencer seja quem for. Para mim o amor, respeito, solidariedade e compreensão deveriam ser as formas de uma religião manter os seus fiéis. Um pouco de modernidade, num sentido de adaptação às sociedades em que vive seria também aconselhável.

Não conheço um agnóstico que passe a vida a pregar para convencer os outros a converterem-se ao agnosticismo, até porque agnosticismo não existe como entidade. Basta-nos estar bem com a nossa consciência. Sentirmo-nos bem na nossa própria pele é o suficiente. Mais do que religião ou filosofia, o agnosticismo representa um bem-estar. Não é fácil. Não o vendo a ninguém porque não sou dele detentor ou representante designado.
Acredito firmemente que temos que ter uma explicação para tudo nesta vida. Qualquer que seja. Pouco importa. E quanto mais díficil for de explicar, melhor. Assim fica mais fácil de se acreditar nela.
Deixo-vos com duas frases para reflexão:
“Tentar reprimir a religião é como tentar reprimir o sexo. As pessoas irão sempre fazê-lo.” John Gray
“Fundamento concreto da possibilidade de actos humanos valiosos, a liberdade é a própria forma de existência humana quando pode dispor conscientemente dela mesma.” Eduardo Lourenço.

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